quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Episódio 1


Acesso Negado

 
Ana teve uma excelente noite de sono. Na segunda noite no luxuoso hotel de Shang Simla, nem percebeu a presença dos mosquitos. Ela parou para imaginar quais seriam as principais diferenças entre os mosquitos chineses e os mosquitos de sua cidade. Na verdade, isso lhe levou a pensar na geografia do mundo no qual vivia. Sabia que existiam outras cidades, mas nunca havia saído da sua cidade. Não sabia o caminho até outras cidades. Levantou-se e foi até o banheiro tomar banho. Não conseguia se livrar daquele sorriso bobo em seu rosto, e nem queria que isso acontecesse. Decidiu ir conhecer a famosa Cidade Proibida. Na portaria do hotel, havia uma enorme quantidade de bicicletas estacionadas, esperando alguém pegá-las para dar uma volta pela cidade. Ana pegou uma e começou a pedalar. Precisou deslizar uns 300 metros até se habituar com o equipamento, que era muito rústico e desconfortável. Mas logo que se acostumou, voltou toda a sua atenção para a paisagem e a brisa que, na medida em que lhe acariciava, levava embora mais um pouco dos vestígios de preocupações que ainda lhe impregnava a alma. Sabia que Alexia ia ficar bem e que Ulisses, muito provavelmente faria alguma besteira muito grande. E isso a deixava mais relaxada e despreocupada, sabendo que as coisas seguiriam seu rumo sem exigir nada dela. Ana Diamante continuou pedalando sem destino pelas estradinhas de terra da cidade desconhecida, saboreando os novos cheiros, cores e pessoas que via por onde passava. Algumas pessoas, com seus olhinhos em wide-screen, torciam o nariz emburradas, estranhando a tamanha felicidade que transbordava do rosto de Ana através daquele sorriso largo, adornado de vermelho e recheado de um branco brilhante, como diamante. Ana não se sentia culpada por ter deixado sua família para trás, no intuito de buscar um tempo para si. Ana sabia que tanto ela quanto sua família precisavam disso. Ela precisava se encontrar, onde quer que ela estivesse. Ela sabia que podia encontrar sua alegria mesmo nos lugares onde tinha certeza de que não havia perdido nada.
Quando a Cidade Proibida se ergueu à sua frente, com suas construções exageradamente enfeitadas a reluzir naquela tarde ensolarada, Ana viu considerou cada brilho a piscar nos adornos elaborados, um aceno que lhe significava "bem vinda Ana Diamante"! Respondeu com um sorriso radiante e adentrou a estradinha que dava para os portões fechados da Cidade Proibida.
Ainda sorrindo, parou diante dos portões do lugar e esperou que os dois guardas que vigiavam o portão abrissem o portão. Nenhum dos dois homens baixinhos se mexeram, apenas olhavam fixamente ela olhar o portão fixamente. Percebendo que eles estavam demorando demais, olhou para o homenzinho à sua esquerda e apontou para o portão, gesticulando para que ele abrisse. O homenzinho disse, com dificuldade para imitar o idioma de Ana, que ela proibido entrar ali. E, com um olhar esquisito, deixou implícito que era óbvio, afinal, o nome do lugar era Cidade Proibida. Vendo que Ana não entendeu, o outro homenzinho disse, com a mesma dificuldade em imitar o idioma de Ana:
- Cidada Pribida!
- Como assim? - perguntou Ana, realmente confusa. Será que eles realmente não a iriam deixar entrar?
- Pribida! - afirmou o homenzinho, sacudindo a cabeça como se estivesse latindo a palavra.
Ana ficou um tempo pensando. Se não era uma brincadeira, ou algo assim. Alguma pegadinha para divertir os turistas.
- Pribida! - disse o outro homezinho. - Vá! Vá! - e se aproximou dela, pegando o guidão da bicicleta e virando para que Ana desse meia volta e fosse embora.
- Vai tomar na tua bunda! E tira a mão da minha bicicleta se anão desnutrido. - disse Ana.
O homenzinho não lhe deu atenção e continuou empurrando o guidão. Ana desceu da bicicleta e começou a chutá-la. Depois pegou-a, sob os olhares incrédulos dos dois guardas, jogou-a novamente no chão, com toda a sua força e começou a pular em cima dela. Depois pegou o telefone, ligou para o hotel e pediu que o recepcionista lhe dissesse o número da polícia local. Eram poucos números e Ana decorou. Enquanto esperava alguém do departamento de polícia atender, um dos guardas se aproximou para levantar a bicicleta. Ana deu um bote ameaçando-o, com os olhos arregalados e os lábios crispados. O homem, com medo, se afastou. Quando conseguiu falar com alguém do outro lado da linha, com aquele mesmo linguajar esquisito, disse que estava sendo atacada por dois guardas nos portões principais da Cidade Proibida. Ouvindo aquilo, um homenzinho olhou para o outro, confusos. Quando desligou o telefone, Ana foi até o homenzinho da esquerda e lhe deu um chute na canela. Os homenzinhos lhe apontaram as armas e Ana mandou eles irem se ferrar.
Quando a polícia chegou, Ana explicou sua versão dos fatos de maneira bem rápida e confusa, mostrou seu passaporte e todos sorriram dizendo "Aaaaah". E então a deixaram entrar na Cidade Proibida.






 " Estou feliz por ser um idiota. Estou feliz por não saber nada. Estou feliz por não ter sido assassinado. Quando olho para minhas mãos e elas ainda estão nos pulsos, penso comigo mesmo: sou um cara de sorte.
(trecho de Numa Fria, de Charles Bukowski)

Nenhum comentário: