segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Capítulo 2


Substancias

 
  O calor estava muito desagradável e na casa dos Alves não tinha ar condicionado. Ulisses odiava sentir calor. Eram nove horas da manhã e Ulisses tomava um banho gelado, inicialmente desagradável, depois o corpo foi se ajustando à temperatura da água. Quando terminou o banho, sentindo-se desanimado e fatigado, Ulisses penteou seus cabelos para trás, o que lhe deixou com a aparência de um vampiro latino traficante de drogas. Satisfeito com o resultado obtido diante do espelho, ele sentou-se na sala com seu computador no colo afim de escrever um pouco, apesar de estar sem muitas ideias. No entanto, confiou na hipótese de que qualquer coisa que tentasse contar, tomaria forma.
Faziam três dias que Ana partira para China e desde então, Alexia ignorava o pai. Uma brisa que entrou pela janela da sala de estar fez Ulisses se sentir bem, instantaneamente. Quando Alexia surgiu na sala, Ulisses levantou os olhos por cima de seus óculos de grau e a viu ignorando-o. Ele sabia que ela tinha muita coisa para dizer, e ele, como pai, deveria ouvir. Porém, se tentasse conversar com a filha, isso a faria o ignorar. A melhor coisa seria construir uma situação na qual a filha, ao perceber que ele não estaria com vontade de ouvir qualquer coisa, diria tudo o que ele gostaria de ouvir dela. de qualquer maneira, Ulisses estava morrendo de calor, agora que a brisa foi em bora, e não queria pensar em nada. Só queria ficar ali, fingindo, mas para si que para qualquer outro, que estava escrevendo.
No final da tarde, Ulisses queria mesmo era ingerir álcool e ficar escrevendo. Então, convidou sua filha para ir à algum bar por perto, sabendo que ela iria recusar e, percebendo que ele estava de saída e que seria a hora mais inapropriada para discutir com ele qualquer assunto de substancia emocional, viu ali uma excelente oportunidade de desabafar.
- Eu não quero sair. - afirmou Alexia.
- Porque não? - perguntou Ulisses, fingindo desinteresse.
- Porque você é um egoísta. Porque você não dá a mínima para a sua família.
Quando ia responder algo, Ulisses percebeu que subitamente, ficou realmente sem vontade de ouvir. Não queria dizer nada, mas lhe pareceu muito cruel ficar calado e ignorar a menina.
- Eu sei. Mas eu vou dar um jeito nas coisas, Alexia. Pode deixar. Deixa só passar o verão.
Alexia fechou a cara e passou pelo pai, subindo as escadas para seu quarto, ainda com muito a dizer.
Ulisses, que começava a suspeitar que tinha algo de vampiresco no corpo, aceitou que o calor sempre o deixava em péssimas condições para qualquer coisa. Mas, antes que pudesse admitir qualquer verdade vergonhosa para si mesmo, partiu para o bar mais próximo de sua casa.

Ana Diamante, explorando a Cidade Proibida, curiosa e se sentindo extremamente liberta e satisfeita, ficou impressionada quando, ao tocar uma estátua chinesa, esta deslizou ruidosamente, revelando uma passagem secreta na parede de pedra. Animada, Ana adentrou a passagem e endereçou-se por corredores de pedra úmidos e repletos de teias de aranhas. De repente, para lhe adicionar ainda mais alegria à alma, Ana se deparou com uma sala com uma espécie de piscina ancestral no meio. Vendo a água límpida balançar quase que imperceptivelmente no interior silencioso, fresco e agradável do local, Ana Diamante deu vazão à sua impulsividade recém recuperada e, simplesmente entrou na piscina. Com a respiração presa e a água gelada abraçando seu corpo, Ana não queria saber o que aconteceria, ou onde daria aquele túnel de água cristalina. Tudo o que a moça queria, era vivenciar intensa e plenamente seja lá o que acontecesse.







 " Tudo estava bom. O que eu odiava era que algum dia tudo se reduziria a nada, os amores, os poemas, os gladíolos. Acabaríamos recheados de terra como um taco barato.
(trecho de Numa Fria, de Charles Bukowski)

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