domingo, 28 de julho de 2013

Episódio 7 - Season Finale

Fantasmas Retroativos

Deitado em cima do telhado da casa, achando ainda ser o fantasma dourado, Ulisses ficava quase invisível naquela tarde ensolarada. Sentia com sua inteligência o vento gelado assoprando a cidade e seu corpo fantasmagórico. Mas não podia apreciar a sensação física do sopro frio e invisível que percorria as ruas e calçadas e os telhados da vizinhança, fazendo cócegas nas árvores, fazendo-as se contorcerem divertidamente. Perdido naquele infinito azul, Ulisses se sentiu tão em paz que perdeu a noção do tempo, do espaço, da vida e da morte. Percorreu toda a sensação de existência, mas tomou cuidado para não ir muito longe, teve medo de se perder novamente em outra viagem astral. Sua família não compreenderia, naturalmente, e ficariam todos chateadíssimos com ele novamente. Quando um pássaro passou e o despertou do devaneio celestial, lhe veio à consciência a decisão de esclarecer tudo com a sua família. Faria um churrasco no quintal naquela noite e todos comeriam cachorros quentes, picanha, linguiça, pão com pasta de alho e cebola na brasa.
Era sábado e Ana estava no trabalho, mas Alexia estava em casa, deitada em sua cama, perto da janela, lendo um livro. O vento entrava pela janela e ficava dando voltas agitadamente no quarto da adolescente. Brincava, vez por outra, com o cabelo dela e a menina achava muito divertido. Estava lendo Cinzas, um livro de romance escrito por seu pai pouco antes dele morrer eletrocutado. Na verdade, esse livro ganhava uma aura especial, justamente por ter sido o último livro escrito por Ulisses antes de sua morte. Alexia se encontrou perdida na história de um amor impossível entre um cinegrafista profissional e uma empregada doméstica. A história se passava em sua cidade e isso à tornou mais propícia a sentir-se mais próxima da história que estava lendo. Na história, por passarem tanto tempo ocupados com seus respectivos trabalhos, procurando arrumarem dinheiro o suficiente para construírem uma vida juntos, os personagens deixaram, descuidadosamente, o tempo passar. Quando se deram conta já eram velhos demais para apreciarem as coisas que os atraíam quando jovens. Ainda tinham, cada um, seus prazeres na vida, porém, seus gostos eram por coisas novas e específicas para cada e assim, nunca mais se sentiram próximos o suficiente para viverem juntos, apesar da vontade que não passava, na verdade, de uma meta a ser cumprida. Um resquício do desejo intenso que tiveram quando na parte mais intensa de suas vidas. Quando, enfim, ficaram juntos, a moça faleceu na cama do homem, quando estavam prestes a ter sua primeira relação sexual juntos. Alexia chorou durante diversos momentos do livro. Andava meio sensível emocionalmente.
No final da tarde Ulisses ligou o som bem alto dentro da casa, para que ficasse no volume ideal lá fora no jardim. Assim, eles poderiam criar um clima divertido e cinematográfico enquanto conversavam sem ter que gritar. Acendeu, pela primeira vez em mais de uma década, a churrasqueira da varanda e começou a assar a picanha e as salsichas. Atraída pelo cheiro delicioso, Ana foi até a varanda e sorriu ao ver seu marido fantasma utilizando a churrasqueira. Lá pelas nove da noite, Ana, Alexia e Ulisses estavam na mesa do jardim comendo e conversando. Ulisses comia picanha com farofa e molho a campanha. Ana devorava com vontade a sua picanha com arroz branco, farofa e uma salada de maionese com bastante azeite. Alexia degustava, satisfeita, um cachorro quente e bebia suco de plasma de caixinha enquanto seus pais bebiam cerveja Note. Uma cerveja criada por Ulisses e uma amiga da vizinhança. Era uma cerveja específica para o inverno. No centro da mesa, uma panela com água fervente borbulhava com a garrafa escura da cerveja em seu interior. Com a cerveja quente, Ulisses pegava-a com o suporte e servia a caneca de madeira que Ana tinha na mão e depois servia-se generosamente. - Gente. - começou Ulisses. Por dentro estava ansioso e inseguro, mas tinha consciência que de por fora ninguém podia dizer. - Gostaria de colocar as coisas em ordem hoje, ok? Queria conversar sobre nós com vocês. Alexia não disse nada, mas não pareceu incomodada com a proposta do pai, apesar de, naturalmente, um pouco entediada. Ana estava bastante contente e por isso simplesmente concordou, saboreando sua deliciosa refeição sob um incrível luar de inverno. - Bom... Ana. Eu gostaria de dizer que te amo. E estou disposto a ter uma vida maravilhosa e repleta de emoções e alegrias ao seu lado. Sem saber o que responder, Ana simplesmente balançou a cabeça afirmativamente. Alexia, por sua vez, fingiu ignorar. Mas sabia que a próxima fala de seu pai seria dirigida à ela. - E eu preciso saber que você está feliz, Alexia. E também preciso saber o que vocês precisam que eu explique para que todos nós possamos ficar em sincronia. - Ah, pai. Eu estou bem. - respondeu Alexia. Ulisses olhou para Ana e vendo que ela só lhe olhava sem nada dizer, ele encheu o copo dela de cerveja. Mais tarde, quando Ana já estava bêbada e disposta a conversar mais e Alexia um pouco menos entediada, Ulisses procurou instigar nelas a vontade de se exporem à sua própria exposição. - Gente, vamos começar do início. Eu morava em uma casa que mais parecia uma cabana nos recantos longínquos dessa cidade. Em meio à arvores obscuras, mas tinha uma linda pontezinha sobre um laguinho charmoso na entrada. Morei sozinho lá por um bom tempo e escrevi alguns livros. Os que os mais gosto, pelo menos. Uma das minhas melhores amigas, cujo o nome, vergonhosamente, eu não me lembro, era a dona dessa casa aqui. Eu vim em uma festa aqui uma vez e conheci o marido dela. Uma pessoa maravilhosa. Ela faleceu um dia, já bem velhinha e eu nunca mais soube do marido dela. Conforme eu consegui ganhar mais dinheiro com as vendas dos meus livros, eu contratei uma empregada doméstica para limpar as coisas em casa. Ana e Alexia ouviam a história com genuíno interesse. - Então... ela era uma jovem muito bonita e eu gostaria de ter uma família. Estava cansado de ficar sozinho. Ulisses encheu o seu copo e o de sua esposa. Alexia pediu que ele pausasse a história, pois queria ir até o porão pegar uma garrafa de vinho com plasma. Enquanto Alexia foi lá embaixo, Ana perguntou sobre Cibele. - Já vou chegar lá, querida. Espere Alexia voltar. Quando Alexia voltou, Ulisses abriu para a filha a garrafa de vinho e serviu uma taça para a menina. - Bom... voltando à história. - Ulisses deu uma pausa. - onde eu estava mesmo? - Sua nova empregada doméstica, pai. - ajudou-o Alexia. - Ah, sim! Isso. Bem, então eu achei essa menina muito bonita e decidi que gostaria de ter uma família com ela. Ela correspondeu e nós começamos a ter um romance. Ana se sentia um pouco desconfortável com essa parte da história e Ulisses sabia. Mas gostaria que Ana se sentisse confiante e confortável. Por isso, continuou a história. - Então saímos por algum tempo, mas nunca tivemos a oportunidade de fazer um filho ou filha. Ana e Alexia se sentiram visivelmente desconfortáveis com essa informação direta. Ulisses ignorou e continuou: - Então eu comprei esta casa e me mudei para cá. Convidei Cibele para vir me visitar e então percebi como ela havia envelhecido. De qualquer forma, ela continuava charmosa e linda aos meus olhos apaixonados. Então, precisamente na noite em que tentamos ter uma relação mais íntima, na noite em que nos unimos na cama e tencionamos começar uma família, aquele treco encapuzado desceu em meu quarto e a solicitou. Ela, de bom grato, foi-se. - Que triste. - disse Ana sarcástica. Ulisses percebeu uma luz branca surgir atrás de si e o olhar indiferente de Alexia só confirmou a presença de Snypes. Ulisses imaginou-se levantando-se com normalidade, virando-se, em sua imaginação, de maneira comum, deixando Snypes confortável com seu sorriso triunfante no rosto resplandescente e transparente e então acertando-o no nariz com força. Um brilho, então, explodiria do impacto dos dois fantasmas e Snypes iria parar no cemitério. Ana arregalaria os olhos e serviria-se de mais bebida. Alexia sorriria e terminaria sua taça de vinho com plasma. Ulisses imergiria na grama, desaparecendo e reaparecendo subitamente segundos depois enquanto Snypes se levantava. Ulisses surgiria, então, do chão, agarrando Snypes e carregando-o para o céu noturno em altíssima velocidade. Ana e Alexia assistiriam o decolar dos fantasmas em uma velocidade absurda. Como uma estrela cadente incandescente eles subiriam aos céus até parecerem um pontinho brilhoso longínquo. Na lua, Ulisses soltaria Snypes e lhe daria um chute no rosto com força, fazendo-o voar até uma colina. - Eu quero que você pare de me encher a paciência, Snypes. Fui claro? Snypes estaria assustado e concordaria. - Eu sei que você vai voltar e você sabe o que vai acontecer se você voltar. Dito isso, Ulisses pularia e voaria em direção ao seu planeta. Chegando na cidade, puser-se-ia a caminho de sua casa. Chegando em casa, após terminar sua aventura mental, ansioso, queria resolver logo a questão. - Olhem, minhas queridas. Eu só quero que vocês entendam plenamente que eu só quero ser feliz e fazer feliz quem me cerca. Só isso. E além disso, quero que vocês entendam que ser feliz é mais importante do que tudo. Isso pode parecer vago, mas é o essencial.
Depois que as meninas foram dormir, Ulisses considerou suas palavras e decidiu ir até o cemitério. Contemplou em dúvida a lápide de Cibele. Estava certo de que a deixaria descansar em paz, mas se lembrou de todo o amor interrompido. Os sentimentos verdadeiros da época terminal em que escrevia Cinzas tomaram consistência em seu coração. Algo como o passado lhe cairia bem. Pensou no que Ana iria pensar, em como Alexia reagiria, em como iria explicar tudo para Cibele e como ele próprio lidaria com toda essa revolução, mas seu subconsciente falava mais alto, muito embora ele não pudesse ouvir distintamente, que ele deveria simplesmente buscar o que lhe agradava. No dia seguinte, amanheceu em sua cama, pensando no que havia feito na noite anterior, mas não conseguia se lembrar de nada. Contudo, conseguia saber em sua mente que havia bebido bastante cerveja com sua esposa e que havia ido ao túmulo de Cibele. Também, finalmente, começou a se dar conta de que havia se tornado novamente uma criatura feita de carne, osso e tudo mais. Porém, infelizmente não conseguia se lembrar do momento em que se tornara aquilo que ansiava voltar a ser. Adormeceu, portanto, novamente, nessa tentativa.





""Não fique triste," ele disse, dando-lhe um abraço. "Eu vou carregar esta asa com orgulho, como símbolo do amor de uma maravilhosa irmã.""
(Hans Christian Andersen, em Os Cisnes Selvagens) 

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Olhe Para Trás

Dia 45

       Apenas dois dias restavam para o ano novo e ele tinha algo grandioso em mente. Mas ele precisava do rapaz da edição, e por isso foi buscá-lo. "Hoje eu vim por você", pensou ele, avaliando macabro tal pensamento a julgar que só se lembrava de ter ouvido essa frase de vilões de filmes de terror. Sorriu por isto.
       Enquanto a cidade funcionava e deixava rodar as engrenagens do cotidiano pacato ao qual se habituara, essa história acontecia em algum lugar reservado. Quando mais de 40 pessoas desapareceram de um dia para o outro é que as pessoas foram prestar atenção na gravidade da situação, embora ainda caminhassem em frente de olhos fechados ao invés de parar e olhar para trás, para ver quem ficou para trás. O que facilitou as atividades do sequestrador. Ele caminhava sorrateiro no encalço das pessoas, e como ninguém nunca olhava para trás, ele jamais era visto.


,

sábado, 20 de julho de 2013

Episódio 6

A Praia e a Luz da Lua

A lua estava linda e dominava o céu da noite daquela quinta feita. Ana estava encostada na motocicleta com os braços cruzados sobre os seios enquanto observava o universo até onde sua visão alcançava. Não era muito, mas era o suficiente. Podia ver com clareza estrelas que estavam à anos luz dali, um brilho que vinha de anos luz atrás. Ana se sentiu deixava para trás. O som das ondas que quebravam na praia ecoavam lindamente naquela noite onde o vento frio soprava seus cabelos e sacudia sua roupa. Ana fechou os olhos e decidiu observar a parte interna de suas pálpebras, contemplando o infinito mais próximo que podia acessar. Ana queria se encontrar novamente. Ao menos, gostaria de encontrar o local no tempo onde havia se perdido. Constatou, num momento, que na verdade, foi seu mundo que a perdera de vista. Ela sabia exatamente onde estava, sempre soube. Porém, sua vida, havia se desencontrado de seus desejos e isso a deixou desconexa das satisfações que flutuavam pela cidade. Ulisses nunca fora mais do que uma satisfação flutuando, percebeu Ana. Segurá-lo e segurar-se à ele fora um erro. Amá-lo, sem estimar um período para isso, ainda mais um período de tempo tão longo fora um equívoco desastroso para si mesma e para a sua família.
- Ana. - chamou Ulisses. - Eu te amo! - completou.
Ana foi pega de surpresa e não soube o que dizer.
- Não sei o que dizer, Ulisses. - revelou, perplexa. - Não precisa dizer nada, Ana. Eu simplesmente te amo. Naturalmente, Ana sucumbiu à essas palavras.
As ondas quebravam-se na praia e esse som encheu Ana de entusiasmo e o entusiamos de Ana entusiasmou Ulisses. - Vamos para casa fazer uma nova filha? - convidou Ulisses. - Como sabe que será uma filha, Ulisses? - perguntou Ana divertindo-se com a empáfia de seu marido. - Eu não sei. Ana tentou abraçar e beijar seu marido romanticamente, mas seus braços ultrapassaram seu conjugue e cruzaram-se no ar. Porém, Ana não se importou nem um pouco com essa situação e confiou em sua imaginação. Quando fechou os olhos, envolveu o pescoço de seu marido e beijou-o calorosamente. Um homem vestido de terno, gravata e sapatos muito bem limpos observava uma moça loira e linda beijar apaixonadamente um semelhante dourado na areia da praia, sob um luar incrível, encostados à uma incrível motocicleta.





"Há doenças que caminham na escuridão; e há anjos exterminadores, que voam envoltos nas cortinas de imaterialidade e uma natureza reservada; a quem não podemos ver, mas cuja força sentimos, e afundamos sob suas espadas."
(Jeremy Taylor, "Sermão de Um Funeral", em Cidade dos Anjos Caídos, de Cassandra Clare) 

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Vinho Tinto e Memórias Amargas

Dia 44

       Subia a rampa que dava no cemitério, como de costume, embora ainda não houvesse se habituado inteiramente com essa situação. Aliás, isso até que lhe cabia muito bem, uma vez que ainda não havia se acostumado com a situação que desencadeara, de fato, toda essa nova situação devastadora. Em casa, se é que podia-se chamar um lugar debaixo de uma cova, de casa, ele serviu-se da primeira de muitas taças de vinho do porto daquela noite. Uma música arranhada reverberava estranhamente alegre na caverna, vinda de uma velha vitrola que encontrara há poucos dias na casa de um desses habitantes de Teresópolis. Um idoso qualquer que provavelmente não saborearia jamais o som abafado daquele aparelho mágico. Não era uma vitrola, mas sim uma máquina do tempo. O homem cruel fechou seus olhos após tomar mais um gole de seu vinho. Alguém, de um tempo muito longínquo lhe cantava algo sobre ondas que colidiam em pedras em uma praia de cinzento céu na hora do almoço. Sobre vinho tinto derramado na areia branca e um par de sandálias que mais tarde seriam levadas pelo mar.
       O homem mal estava feliz, embriagava-se de música, vinho e memórias. De repente, lembrou-se de uma certa promessa e tudo ao redor se tornou triste, e ele, sentindo-se pressionado, abriu mão da felicidade e serviu a si mesmo mais uma taça de vinho. Em seguida, outra e mais uma posteriormente. Quando o dia raiava, estava abrindo sua terceira garrafa de vinho, seus lábias estavam roxos e seus dentes negros. Sua aparência era demoníaca.



,

quinta-feira, 11 de julho de 2013

O Breve Reencontro

Dia 43

       - O que você faz por aqui?
       O homem usava, principalmente, uma elegante jaqueta marrom enquanto caminhava quase no fim da tarde daquele domingo. O som do céu pigarreando sutilmente precedeu o despencar tranquilo da chuva que persistiria até o dia seguinte. O homem parou e olhou o céu por um momento, e o cumprimento lhe pegou de surpresa quando se propunha a começar a andar novamente.
       - Mas quanto tempo, meu amigo!
       A pessoa que se aproximava era tão alta quanto o homem da jaqueta elegante, porém seu rosto era muito menos cansado e feliz.
       - Ei, vamos sair da chuva, não é?
       O homem da jaqueta elegante apertou, em reposta, a mão do homem que lhe cumprimentava tão contente e juntou-se a ele debaixo da marquise de um boteco, onde outros abrigavam-se também, não da chuva, porém, mas de suas vidas cotidianas e faziam de seus copos cheios, suas marquises contra a chuva de aborrecimentos que os sufocariam se eles permitissem.
       - Você viu, a chuva fez transbordar o rio lá na calçada da fama ontem. Essa é a pior parte do verão.
       Entretanto, o homem da jaqueta marrom apenas olhava a chuva sem nenhum desgosto aparente. Vendo que a chuva não desagradava o quieto homem, o outro homem lembrou-se em voz alta:
       - Ah, sim! Ignorei o fato de que você adora chuva. Sempre gostou, não é. Continua estranho, você, não é? - dito isso, gargalhou por um breve instante, recebendo em resposta, apenas um sorriso fechado, do homem da jaqueta marrom.
       - Ei, porque não tomar um trago, hein? É, eu pago, venha!

       Acima da cabeça do homem que convidara a pessoa de jaqueta para um trago, havia uma pequena TV, a qual transmitia o homem que fizera o convite, vestindo um terno azul escuro e uma gravata preta, a relatar as notícias da semana passada. Percebendo, então, que o homem da jaqueta marrom elegante olhava com atenção o televisor, o velho conhecido virou-se para trás, a fim de ver também a televisão. Voltando-se, comentou:
       - Que loucura, não é mesmo? Essa história de pessoas sumirem do nada. Que loucura. E não temos relatos disso em nenhum outro lugar do Brasil. Que loucura.
       Virou seu copo de cachaça e fez uma careta de satisfação. O homem da jaqueta marrom imitou-o.
       O homem, autor do convite, percebeu, em sua perspicácia, que seu amigo, há muito não visto, não nutria lá muito interesse no assunto dos desaparecimentos. E sendo assim, como bom repórter improvisou, divergindo sorrateiramente para outro assunto:
       - O que tem feito da vida, meu velho amigo?
       - Tentando colocar a vida em ordem.
       - Ah! A velha história de sempre! - mais uma vez, houve um breve gargalhar, e quando terminou, o homem sério e quieto que trajava a elegante jaqueta marrom já estava de pé, munido da quantia precisa para pagar o dono do bar pelos tragos que haviam ingerido. No trajeto da mesa até o caixa, ele pensava, "continue contando para as pessoas que querem saber, afinal de contas, é esse o seu trabalho. Enquanto isso, me deixe em paz. No inverno, se você ainda estiver por aqui, poderá ser o portador de uma notícia extremamente importante."
       - Foi muito bom ver você novamente, depois de tanto tempo. - disse ele com sua voz fria e rouca. - precisamos marcar algo em breve.
       Com um sorriso encerrou sua frase e virou-se sem se importar com o que seu amigo dissera, se é que havia dito algo, pois tudo o que estava atrás dele, havia ficado realmente para trás, simplesmente.



,

domingo, 7 de julho de 2013

Capítulo 5

Desejo Tardio
No fim da tarde, Ulisses abriu seu computador. Não estava com vontade de ler e nem de escrever nada. Também não queria jogar nenhum jogo, abriu seu companheiro de aventuras de faz de contas simplesmente por que não sabia aonde mais poderia ir. Se sentia um péssimo marido e pai, sentia-se egoísta e solitário. Ao seu modo ele amou sua família. Contudo, agora se perguntava o que podia ser chamado de amor. O amor seria algo decorrente de suas atitudes motivadas de bondades direcionadas à uma pessoa específica, visando torná-la não só especial, mas exclusiva. Ou, talvez, o amor fosse esse algo místico e poderoso. Essa força é maior do que um ser humano é capaz de compreender e explicar. Algo que nos cerca e nos faz refém. Porém, sendo assim, as pessoas não mereceriam crédito algum por sentirem amor por alguém, visto que este seria um sentimento que assalta o indivíduo e o arrasta pelas circunstâncias sem que esta pessoa tenha escolha. Contudo, Ulisses não estava com paciência para pensar no amor. Ele parou e pensou que a melhor opção era repassar as situações, identificar os problemas e avaliar as possibilidades de resolução. Eram seis e meia da tarde quando Alexia acordou. Sua garganta estava seca, sua cabeça doía demais e seu corpo parecia fraco. Era a famosa ressaca da qual Alexia tanto havia escutado falar. Não gostou nada de conhecê-la pessoalmente. Levantou-se cambaleante e foi até o banheiro vomitar. A fraqueza do corpo lhe fez voltar para a cama e deitar. A menina prometeu a si mesma que jamais beberia novamente. Tanto Ana quanto Ulisses ouviram sua filha vomitando. Ambos chegaram juntos no quarto da menina. Quando concordaram, em silêncio, que ela estava relativamente bem, sem dizer palavras, cada um seguiu um caminho diferente. Ulisses voltou ao seu escritório e Ana desceu as escadas até a sala de estar. Ana recostou-se no sofá da sala de estar e ficou pensando em como se sentia solitária e distante de sua família. Realmente estava chateada com Ulisses. Entretanto, estava mais chateada consigo mesma também. Ulisses passou as mãos pelo cabelo, bagunçando-os e gostando do resultado que via na webcam do computador. Quando fechou a janela da webcam identificou um arquivo de texto salvo na área de trabalho. O nome do arquivo era "Como Matar Um Fantasma". Um sentimento muito ruim tomou conta dele. A seguir ele abriu o arquivo dando um duplo clique sobre o maldito nome. Leu apenas o primeiro capítulo e foi tomado por uma sensação de traição. Quando encontrou Ana, momentos depois, no sopé da escada, fitou-a com um olhar que ela soube ler como: "Então é assim que você me vê?". Ana, compreendeu imediatamente a mensagem que Ulisses trazia no olhar e, apesar de sentir-se vítima, entendeu que agora, ela era a que ofendia. Ulisses, mantendo seu olhar fixo nos olhos de Ana deixou-se imergir no degrau e sumir na escada. Aquele momento pareceu uma eternidade para Ana. Estava tudo quieto de madrugada enquanto Ulisses repousava em seu túmulo. Debaixo da terra era aconchegante e morno. Ali, perto de raízes de plantas mortas e semente a germinar, o fantasma de Ulisses sentia a vida na sua essência. Contudo, um barulho lhe chamou atenção. Na base de sua lápide, Ulisses ergueu sua cabeça acima do solo. Uma fraca luz vindo do fundo do quintal chamou a atenção do homem vestido de preto na escuridão. Assustado, o homem esbarrou o pé no latão de lixo que ficava debaixo da janela de Alexia. Esta acordou, ainda tonta e enjoada. Cambaleante, foi até a janela e observou o homem a correr atrapalhado com o fantasma dourado de seu pai em seu encalço. Alexia divertiu-se assistindo seu pai assombrar o homem. Ulisses, por sua vez, divertiu-se demais assombrando o rapaz de termo preto que estava a bisbilhotar sua residência na madrugada. Contudo, o rapaz conseguiu escapar, deixando o fantasma a reluzir na calçada às gargalhadas. Alexia que observava tudo da janela de seu quarto sorria para seu pai brilhante na calçada. Depois disso, ela correu para o banheiro para vomitar.

Quando terminou, a genia que ainda lhe devia um desejo, lhe esperava no quarto com um sorriso gentil. Ana sentiu um formigamento no estômago e uma deliciosa sensação de bem estar.
- Você está pronta para fazer seu desejo mais importante? - perguntou a genia.








"Oh! Deixa que teus olhos fitem bem os meus para recordar, A história triste de um amor nascido em ondas do luar... Olhos que dizem bem e sem poder falar o quanto é desditoso amar..."
(José Mauro de Vasconcelos, em O Meu Pé de Laranja Lima) 

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Notícia Inesperada

Dia 42

       A cidade de Teresópolis tinha coisas demais para se ocupar neste momento, e sendo assim, esta pessoa tinha algum tempo livre para agir. "Mais de 40 pessoas desaparecem misteriosamente!" exclamava a manchete no jornal que ele comprara nesta manhã de natal. Entretanto, havia mais alguma coisa. Uma notícia que quase lhe passou despercebida e era sobre um violento acidente envolvendo um jovem e um ônibus em frente à prefeitura da cidade. Pelo que constava nas páginas das desgraças em suas mãos, o rapaz estava agora em estado de coma. O homem afastou os olhos do jornal involuntariamente e por alguns segundos se pegou pensando sonhadoramente a respeito do estado de coma. Quando estava prestes a cobiçar para si a situação do infeliz rapaz, retornou sua atenção para a curta reportagem. Seus olhos esbugalharam-se um tanto, quando, quase sem querer, se deu conta de quem era a vítima do dito acidente. Era seu editorzinho preferido!
       - Maldição! - exclamou.
       E sua voz fez despertar os murmúrios diabólicos dos andares inferiores e dessa vez ele repetiu, com toda a razão, e em voz baixa:
       - Maldição.



,

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Episódio 4

Os Reflexos Cintilantes da Escuridão dos Sentimentos Genuínos
Cansada e ainda demasiadamente estressada, Ana despediu-se da amiga que lhe dera carona do trabalho até sua casa e começou a caminhar tensamente pelo caminho entre a calçada até a escadinha que levava à porta de entrada de sua casa. Olhando para o lado, involuntariamente, percebeu a lua, que estava gigantesca naquela noite. Ana sentiu uma grande sensação de alívio inexplicável naquele instante. O impacto que aquela visão teve em sua noite foi tão instantânea e poderosa que deixou Ana um tanto atordoada. Olhando para trás, num impulso bobo e distraído de saber se estava sendo observada por algum vizinho ou passante, quase não percebeu a presença de um homem vestido com calça, sapatos e terno pretos do outro lado da calçada. Com a cabeça curvada sobre as mãos, ele acendia, com dificuldade, um cigarro. Estava ventando bastante naquela noite. Ana tentou parar de olhar antes que o homem a visse o observando, mas foi tarde, pois, o homem já a estava observando antes de ela notá-lo. Os olhos do homem, claramente estavam direcionados à moça. Ana estava tão cansada que simplesmente se virou e caminhou até a porta de sua casa. Mas enquanto procurava a chave correta, Ulisses atravessou a porta com um olhar furioso que somente Ana podia identificar, qualquer outra pessoa viria uma feição comum e despreocupada. - Que susto!   - Quem é aquele cara? - perguntou Ulisses.
- Eu sei lá.   Quando encontrou a chave correta, destrancou a porta e entrou em casa. Mesmo sabendo que Ulisses podia atravessar portas, não fechou a porta até que ele entrasse, por questão de educação e costume. Depois que ele entrou, fechou a porta e a trancou, usando todas as fechaduras. Afinal, por mais que não demonstrasse, imaginou que, talvez, aquele homem poderia ser uma possível ameaça. Depois que começou a trabalhar com jornalismo começou a desenvolver certas paranoias.
Durante o jantar, Ana e Ulisses conversaram sobre a situação da vida alienígena que nascera da louça suja de algum vizinho. Ana estava sobrecarregada justamente por causa do caos que essa notícia havia causado no jornal onde trabalhava.   - Mas então é sério mesmo essa história, Ana?
- Pior que eu acho que é sim. Ulisses divertiu-se com isso. - Isso vai ser interessante. - Enfim. Ana terminou seu suco de plasma enquanto Ulisses a observava.   - Alexia tomou um porre hoje. - disse Ulisses rindo.
  - O que? - perguntou Ana, perplexa.
- Pois é. - disse Ulisses. E Ana entendeu ali um pedido de desculpas nada sincero. De qualquer forma, Ana estava muito satisfeita, pois o dia no trabalho, apesar de ter sido bastante cansativo, não havia saído de controle. Tinha conseguido dar conta de todas as suas tarefas e sair no horário previsto. No dia seguinte, seria sua folga semanal. A primeira da qual ela usufruiria de verdade nos últimos três anos. Por isso, estava bastante tranquila e, até mesmo feliz naquela noite. Rindo, perguntou onde sua filha estava e seu marido comentou, descontraído, que a adolescente estava dormindo. No dia seguinte. Quarta feira. Ana acordou tarde, conforme havia planejado. Ulisses, para variar, não estava ao seu lado na cama. Como era desde que este havia morrido, há catorze anos atrás. Eram seis e meia da manhã e o quarto ainda estava escuro. As cortinas da janela perto da cama balançavam sutilmente. Através da vidraça cristalina ela observou, ainda bastante sonolenta, mas extraordinariamente contente, as nuvens se moverem lentamente pelo céu. Essas nuvens eram densas e muitas delas pareciam carregadas de chuva. Um vento desceu dos céus para soprar a casa dos Alves e Ana abriu a janela para receber o convidado celestial. Fechou os olhos e respirou fundo, deliciando-se consigo mesma viajando por uma longa estrada deserta, localizada em sua imaginação. Montada na motocicleta herdada de seu marido, ela percorria velozmente o asfalto limpo em direção ao horizonte, no qual se escondia mais uma infinidade de quilômetros em estrada limpa que levava ao nada absoluto. Abriu os olhos, decidida à viajar.   Depois do café da manhã, Ana foi contente até o quintal, na parte detrás da casa, com um dos primeiros livros de seu marido em mãos. O nome do livro era A Casa dos Esquecidos. Ulisses, segundo dizia na introdução, morava em uma casa de madeira, rodeada de árvores, em um recanto distante, mas nem tanto, do centro da cidade. Ele vivia sozinho e não se lembrava da vida que o levou até ali. Ulisses dizia, claramente, e é claro, com o bom humor que lhe era característico, que acreditava ser vítima de algum tipo de amnésia.
  Quando terminou de ler o livro, Ana, intrigada, desceu até o porão debaixo do cemitério. Ao descer as escadas e se encontrar no escuro absoluto, concentrou-se em manter os olhos abertos, afim de fazê-los acostumarem-se com a falta de luz do ambiente. Isso não demorou muito. Logo seus olhos começaram a contornar as formas dos móveis e artefatos estranhos e antigos.
  Os sete anos nos quais Ulisses se fez presente em forma fantasmagórica, foram, igualmente fantasmas para Ana. A presença desse marido transparente não era consistente para ela. Lhe pareceu, então, repentinamente impressionante, que não houvesse tido antes essa percepção. Assim sendo, a moça começou, tardiamente, a questionar certas coisas. Aproximou-se do espelho do canto no final do ambiente. Imerso na escuridão, mas emanando uma fraca luminosidade própria muito suave, que conseguia, impressionantemente coexistir com a escuridão que o rodeava, sem anulá-la. Quando a moça estava de frente para o espelho, começou a observar-se. Começou do topo da cabeça, de onde se desprendiam fios de cabelos loiros encaracolados que terminavam na altura do pescoço. Um par de olhos dourados reluziam na pouco iluminação do lugar e lhe diziam muitas coisas ao mesmo tempo. Ana desviou o olhar de seu próprio olhar no espelho mágico e observou seu corpo inteiro. Usava um bracelete no braço esquerdo, o qual ganhara recentemente de seu pai. Vestia uma blusinha rosa com detalhes transversais pretos e, por cima, uma jaqueta branca sem mangas. Seu umbigo ficava à mostra. Sua pele era morena e seu corpo magro e bem torneado. Usava um shortinho jeans com um cinto preto largo. Ana sentia-se completamente satisfeita com a sua aparência. Contudo, fez força para voltar a olhar seu próprio olhar no espelho. Se sentiu desnuda, sozinha e confusa.
Feixes de luz dourada desciam pela escada, como raios de sol. Ulisses iluminou todo o lugar com seu brilho dourado. Ana sentiu-se como em outro mundo, à anos luz de distância que qualquer lugar.   - Tudo bem, Ana? - perguntou Ulisses.
Ana não respondeu de imediato, baixou a cabeça e passou a língua nos lábios, afim de umedecê-los. Levantou seus olhos dourados para Ulisses e fitou-o gravemente. E então, de repente disse: - Porque não apareceu antes? Porque ficou observando nosso sofrimento à distância? E à uma distância tão curta. Ulisses, pego de surpresa com essa pergunta cortante, respondeu com seriedade: - Eu precisava conhecer o outro lado da minha vida, Ana. Eu observei a minha vida de todos os ângulos e, quando percebi que não havia mais o que ser visto, eu... bom, me apareceu essa oportunidade de ver as coisas do outro lado do espelho. - Como não havia muita coisa à ser visto? Havia eu. Eu não sou o suficiente? Ulisses tentou responder algo. Mas Ana seguiu em suas observações coerentes, pegando Ulisses de surpresa novamente. - O que tinha essa tal de Cibele, que a tornava tão melhor do que eu? Foi com ela que você passou sete anos de sua morte?   Ana encarava Ulisses com um olhar acusador, triste e solitário. Agora era Ulisses quem se sentia desnudo, envergonhado, acusado, culpado e sozinho.
  - Às vezes, Ulisses, eu até penso que você pode ter se deixado morrer para ir ficar junto da Cibele.
  - Pois não duvide disso! - exclamou Snypes, do um canto escuro atrás das escadas, atrás de Ulisses.
  Agora o ambiente estava ainda mais fantástico e distante de qualquer distância infinitamente distante até mesmo do infinito. O espelho emanava uma luz fraca e contida meio arroxeada, enquanto Ulisses cobria todo o ambiente de uma coloração cintilante de ouro, fazendo tudo ali reluzir lindamente. Ao fundo, Conde Snypes cobria a escuridão com seu brilho prata, tornando tudo ao seu redor monocromático, como um filme antigo onde o branco é prata reluzente.
Ana olhou para Ulisses e nesse olhar se lia uma busca por uma explicação e um verdadeiro suspiro de decepção.   Ulisses gaguejou um pouco e então virou-se para Snypes repreendendo-o.
- Cala a boca seu monte de plasma podre miserável!   Ana atravessou o fantasma de Ulisses com a cabeça baixa, chorando, e subiu as escadas para o cemitério.
- Quem é você, afinal de contas? - perguntou Ulisses, quando foi deixado sozinho com o velho fantasma de Snypes. - Agora te interessa, rapaz? - riu Snypes. - É uma pena que você já esteja morto, Sny. - Me matar você não ia. - riu Snypes. - É. Não. - riu Ulisses. Depois ficou sério novamente e advertiu Snypes que não influenciasse mais em sua vida e que ficasse longe de sua família. - Vou fazer um esforço. - debochou Snypes. Ulisses estava de saída, mas se lembrou de algo. Virou-se para encarar o rosto sorridente de Snypes e disse: - Se assim for, terei de me esforçar para manter-me longe da Condessa. Snypes não gostou nada desse comentário. Seu sorriso desapareceu, engolido pela expressão de ódio que tomou conta de seu rosto transparente. - Nós dois temos muitas fraquezas acessíveis. Lembre-se disso, sr. Alves II. Dito isso, Conde Snypes desapareceu na escuridão.






"Educação é o que resta depois que a gente esqueceu tudo que aprendeu na escola."
(Albert Einstein)