domingo, 7 de julho de 2013

Capítulo 5

Desejo Tardio
No fim da tarde, Ulisses abriu seu computador. Não estava com vontade de ler e nem de escrever nada. Também não queria jogar nenhum jogo, abriu seu companheiro de aventuras de faz de contas simplesmente por que não sabia aonde mais poderia ir. Se sentia um péssimo marido e pai, sentia-se egoísta e solitário. Ao seu modo ele amou sua família. Contudo, agora se perguntava o que podia ser chamado de amor. O amor seria algo decorrente de suas atitudes motivadas de bondades direcionadas à uma pessoa específica, visando torná-la não só especial, mas exclusiva. Ou, talvez, o amor fosse esse algo místico e poderoso. Essa força é maior do que um ser humano é capaz de compreender e explicar. Algo que nos cerca e nos faz refém. Porém, sendo assim, as pessoas não mereceriam crédito algum por sentirem amor por alguém, visto que este seria um sentimento que assalta o indivíduo e o arrasta pelas circunstâncias sem que esta pessoa tenha escolha. Contudo, Ulisses não estava com paciência para pensar no amor. Ele parou e pensou que a melhor opção era repassar as situações, identificar os problemas e avaliar as possibilidades de resolução. Eram seis e meia da tarde quando Alexia acordou. Sua garganta estava seca, sua cabeça doía demais e seu corpo parecia fraco. Era a famosa ressaca da qual Alexia tanto havia escutado falar. Não gostou nada de conhecê-la pessoalmente. Levantou-se cambaleante e foi até o banheiro vomitar. A fraqueza do corpo lhe fez voltar para a cama e deitar. A menina prometeu a si mesma que jamais beberia novamente. Tanto Ana quanto Ulisses ouviram sua filha vomitando. Ambos chegaram juntos no quarto da menina. Quando concordaram, em silêncio, que ela estava relativamente bem, sem dizer palavras, cada um seguiu um caminho diferente. Ulisses voltou ao seu escritório e Ana desceu as escadas até a sala de estar. Ana recostou-se no sofá da sala de estar e ficou pensando em como se sentia solitária e distante de sua família. Realmente estava chateada com Ulisses. Entretanto, estava mais chateada consigo mesma também. Ulisses passou as mãos pelo cabelo, bagunçando-os e gostando do resultado que via na webcam do computador. Quando fechou a janela da webcam identificou um arquivo de texto salvo na área de trabalho. O nome do arquivo era "Como Matar Um Fantasma". Um sentimento muito ruim tomou conta dele. A seguir ele abriu o arquivo dando um duplo clique sobre o maldito nome. Leu apenas o primeiro capítulo e foi tomado por uma sensação de traição. Quando encontrou Ana, momentos depois, no sopé da escada, fitou-a com um olhar que ela soube ler como: "Então é assim que você me vê?". Ana, compreendeu imediatamente a mensagem que Ulisses trazia no olhar e, apesar de sentir-se vítima, entendeu que agora, ela era a que ofendia. Ulisses, mantendo seu olhar fixo nos olhos de Ana deixou-se imergir no degrau e sumir na escada. Aquele momento pareceu uma eternidade para Ana. Estava tudo quieto de madrugada enquanto Ulisses repousava em seu túmulo. Debaixo da terra era aconchegante e morno. Ali, perto de raízes de plantas mortas e semente a germinar, o fantasma de Ulisses sentia a vida na sua essência. Contudo, um barulho lhe chamou atenção. Na base de sua lápide, Ulisses ergueu sua cabeça acima do solo. Uma fraca luz vindo do fundo do quintal chamou a atenção do homem vestido de preto na escuridão. Assustado, o homem esbarrou o pé no latão de lixo que ficava debaixo da janela de Alexia. Esta acordou, ainda tonta e enjoada. Cambaleante, foi até a janela e observou o homem a correr atrapalhado com o fantasma dourado de seu pai em seu encalço. Alexia divertiu-se assistindo seu pai assombrar o homem. Ulisses, por sua vez, divertiu-se demais assombrando o rapaz de termo preto que estava a bisbilhotar sua residência na madrugada. Contudo, o rapaz conseguiu escapar, deixando o fantasma a reluzir na calçada às gargalhadas. Alexia que observava tudo da janela de seu quarto sorria para seu pai brilhante na calçada. Depois disso, ela correu para o banheiro para vomitar.

Quando terminou, a genia que ainda lhe devia um desejo, lhe esperava no quarto com um sorriso gentil. Ana sentiu um formigamento no estômago e uma deliciosa sensação de bem estar.
- Você está pronta para fazer seu desejo mais importante? - perguntou a genia.








"Oh! Deixa que teus olhos fitem bem os meus para recordar, A história triste de um amor nascido em ondas do luar... Olhos que dizem bem e sem poder falar o quanto é desditoso amar..."
(José Mauro de Vasconcelos, em O Meu Pé de Laranja Lima) 

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