quinta-feira, 1 de maio de 2014

Livro Esquimolândia Estreia em 2014

       Este ano, sem data prevista, Ulisses Alves lança seu primeiro livro: Esqimolândia! O livro foi escrito em 2005, quando o autor ainda cumpria pena na escola. Obrigado a passar suas manhãs no Centro Educacional Serra dos Órgãos, na cidade de Teresópolis, região serrana do Rio de Janeiro, Ulisses passava o tempo de aula conversando com seus amigos. Aparentemente, o primo do irmão mais velho de um de seus amigos veio com uma história sobre um amigo em comum deles, chamado Yann, ser uma espécie de esquimó.

Na fileira de baixo, Dario é o terceiro da esquerda para a direita. Pula um, o outro é o Yann e Ulisses é o da extrema ponta direita da mesma fileira.

       Veio à tona, então, o título Esquimolândia, como a definição do local onde Yann supostamente vivia. O lugar, na verdade, era o bairro 40 Casas. No bairro vizinho moravam Dario e seu irmão Caetano. Juntos, Dario, Caetano e Yann viviam trazendo para a escola histórias sobre macumba nas encruzilhadas desses bairros residenciais de ruas poucos movimentadas. Os meninos falavam sobre vassouras com cabelo de gente, jaguatiricas e um cão de três patas que diziam existir por aqueles cantos.
       Ulisses, sem nada para fazer durante as tardes, sentou-se na frente do computador e começou a reunir essas histórias. Quando se deu conta, havia material suficiente para fazer um livro.


Primeira capa do livro, desenvolvida pelo autor em 2006.

       O livro narra as aventuras impossíveis de dois personagens principais, vivenciando situações absurdas e surreais no vilarejo de Esquimolândia, inspirado no bairro 40 Casa e em Paivacity, inspirado no bairro de Caxangá. São lugares frios onde há muita neblina, chuva e frio. Bem como os ambientes descritos em Esquimolândia e Paivacity.
       O livro não é rico em críticas sociais inteligentes e nem tem a pretensão de exibir uma narrativa floreada e bonita repleta de citações inteligentes e perspicazes. Esquimolândia é uma história interessante e envolvente, cheia de situações absurdas e circunstâncias intensas. É um livro para divertir e proporcionar ao leitor uma fuga.

O primeiro book trailer do livro, feito pelo autor em março de 2007. Percebe-se que ele tinha muito tempo livre e muita bosta na cabeça.

       7 anos depois, Ulisses assina contrato com a Chiado Editora e o livro idiota dele finalmente será publicado. Há rumores de que Ulisses tem guardado na gaveta mais três livros da série.

Sim! Foi essa criatura esquisita que escreveu o livro.

       Sugiro que você curta a fanpage do livro (facebook.com/Esquimolandia), que está sempre com imagens legais, esquisitas e interessantes e várias mini histórias legais e esquisitas que você poderia viver sem ler. Isso enquanto você aguarda a publicação do livro.
       "Eu não tenho a menor pretensão de fazer tarde de autógrafo, ou qualquer coisa assim", afirmou Ulisses durante entrevista com o jornal O Globo em uma ocasião, pouco antes de acordar e perceber que estava atrasado para o trabalho. Ele também disse: "Carol, estou com fome!", quando estava com vontade de comer alguma coisa nesta manhã. Muito embora isso nada tenha a ver com o contexto da matéria.

Ulisses Alves


segunda-feira, 17 de março de 2014

Entrevista com Ulisses Alves



Ulisses Alves, escritor do livro Esquimolândia, publicado no início do ano passado em sua versão digital. Que teve a continuação Esquimolâdia - O Emocalipse, publicado, também digitalmente, no final do ano passado. Concordou em responder várias perguntas idiotas feitas por ele mesmo no blog dele. Confira esta entrevista completamente perdível:

       Ulisses: como você descreve seu livro Esquimolândia?

       Ulisses Alves: tem várias páginas.

       Ulisses: tá. Mas o que eu quero saber é o que você pode dizer para seus pretensos leitores sobre o conteúdo das páginas. Sobre a mensagem que o livro passa.

       Ulisses Alves : na verdade não quer dizer muita coisa. É um livro onde as pessoas podem se divertir ao viver, junto com os personagens as aventuras ali propostas. É um livro leve e despretensioso. E muito divertido, é claro. Com muitas situações absurdas.

       Ulisses: o livro já está disponível para a compra no formato digital, correto?

       Ulisses Alves: sim. Desde o ano passado já existe a versão digital. Mas esse ano, provavelmente em julho ou agosto, já teremos a versão impressa do livro.

       Ulisses: que legal.

       Ulisses Alves: você não imagina o quanto.

       Ulisses: a página do Facebook, é o único lugar em que se fala algo sobre o livro, e ainda sim, não diz nada. Você não acha importante que as pessoas saibam sobre o que se trata o livro para que possam ter maior interesse em comprar? Não acha que a página é confusa e fraco de informações e que isso pode confundir as pessoas e prejudicar a venda do livro?

       Ulisses Alves: não.

       Ulisses: muito obrigado por me receber e dar respostas tão pouco esclarecedoras. Tenha uma boa noite.

       Ulisses Alves: boa noite, querido. De nada.


Em breve, mais informações sobre o livro mais duvidoso da atualidade.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Capítulo 2


Substancias

 
  O calor estava muito desagradável e na casa dos Alves não tinha ar condicionado. Ulisses odiava sentir calor. Eram nove horas da manhã e Ulisses tomava um banho gelado, inicialmente desagradável, depois o corpo foi se ajustando à temperatura da água. Quando terminou o banho, sentindo-se desanimado e fatigado, Ulisses penteou seus cabelos para trás, o que lhe deixou com a aparência de um vampiro latino traficante de drogas. Satisfeito com o resultado obtido diante do espelho, ele sentou-se na sala com seu computador no colo afim de escrever um pouco, apesar de estar sem muitas ideias. No entanto, confiou na hipótese de que qualquer coisa que tentasse contar, tomaria forma.
Faziam três dias que Ana partira para China e desde então, Alexia ignorava o pai. Uma brisa que entrou pela janela da sala de estar fez Ulisses se sentir bem, instantaneamente. Quando Alexia surgiu na sala, Ulisses levantou os olhos por cima de seus óculos de grau e a viu ignorando-o. Ele sabia que ela tinha muita coisa para dizer, e ele, como pai, deveria ouvir. Porém, se tentasse conversar com a filha, isso a faria o ignorar. A melhor coisa seria construir uma situação na qual a filha, ao perceber que ele não estaria com vontade de ouvir qualquer coisa, diria tudo o que ele gostaria de ouvir dela. de qualquer maneira, Ulisses estava morrendo de calor, agora que a brisa foi em bora, e não queria pensar em nada. Só queria ficar ali, fingindo, mas para si que para qualquer outro, que estava escrevendo.
No final da tarde, Ulisses queria mesmo era ingerir álcool e ficar escrevendo. Então, convidou sua filha para ir à algum bar por perto, sabendo que ela iria recusar e, percebendo que ele estava de saída e que seria a hora mais inapropriada para discutir com ele qualquer assunto de substancia emocional, viu ali uma excelente oportunidade de desabafar.
- Eu não quero sair. - afirmou Alexia.
- Porque não? - perguntou Ulisses, fingindo desinteresse.
- Porque você é um egoísta. Porque você não dá a mínima para a sua família.
Quando ia responder algo, Ulisses percebeu que subitamente, ficou realmente sem vontade de ouvir. Não queria dizer nada, mas lhe pareceu muito cruel ficar calado e ignorar a menina.
- Eu sei. Mas eu vou dar um jeito nas coisas, Alexia. Pode deixar. Deixa só passar o verão.
Alexia fechou a cara e passou pelo pai, subindo as escadas para seu quarto, ainda com muito a dizer.
Ulisses, que começava a suspeitar que tinha algo de vampiresco no corpo, aceitou que o calor sempre o deixava em péssimas condições para qualquer coisa. Mas, antes que pudesse admitir qualquer verdade vergonhosa para si mesmo, partiu para o bar mais próximo de sua casa.

Ana Diamante, explorando a Cidade Proibida, curiosa e se sentindo extremamente liberta e satisfeita, ficou impressionada quando, ao tocar uma estátua chinesa, esta deslizou ruidosamente, revelando uma passagem secreta na parede de pedra. Animada, Ana adentrou a passagem e endereçou-se por corredores de pedra úmidos e repletos de teias de aranhas. De repente, para lhe adicionar ainda mais alegria à alma, Ana se deparou com uma sala com uma espécie de piscina ancestral no meio. Vendo a água límpida balançar quase que imperceptivelmente no interior silencioso, fresco e agradável do local, Ana Diamante deu vazão à sua impulsividade recém recuperada e, simplesmente entrou na piscina. Com a respiração presa e a água gelada abraçando seu corpo, Ana não queria saber o que aconteceria, ou onde daria aquele túnel de água cristalina. Tudo o que a moça queria, era vivenciar intensa e plenamente seja lá o que acontecesse.







 " Tudo estava bom. O que eu odiava era que algum dia tudo se reduziria a nada, os amores, os poemas, os gladíolos. Acabaríamos recheados de terra como um taco barato.
(trecho de Numa Fria, de Charles Bukowski)

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Episódio 1


Acesso Negado

 
Ana teve uma excelente noite de sono. Na segunda noite no luxuoso hotel de Shang Simla, nem percebeu a presença dos mosquitos. Ela parou para imaginar quais seriam as principais diferenças entre os mosquitos chineses e os mosquitos de sua cidade. Na verdade, isso lhe levou a pensar na geografia do mundo no qual vivia. Sabia que existiam outras cidades, mas nunca havia saído da sua cidade. Não sabia o caminho até outras cidades. Levantou-se e foi até o banheiro tomar banho. Não conseguia se livrar daquele sorriso bobo em seu rosto, e nem queria que isso acontecesse. Decidiu ir conhecer a famosa Cidade Proibida. Na portaria do hotel, havia uma enorme quantidade de bicicletas estacionadas, esperando alguém pegá-las para dar uma volta pela cidade. Ana pegou uma e começou a pedalar. Precisou deslizar uns 300 metros até se habituar com o equipamento, que era muito rústico e desconfortável. Mas logo que se acostumou, voltou toda a sua atenção para a paisagem e a brisa que, na medida em que lhe acariciava, levava embora mais um pouco dos vestígios de preocupações que ainda lhe impregnava a alma. Sabia que Alexia ia ficar bem e que Ulisses, muito provavelmente faria alguma besteira muito grande. E isso a deixava mais relaxada e despreocupada, sabendo que as coisas seguiriam seu rumo sem exigir nada dela. Ana Diamante continuou pedalando sem destino pelas estradinhas de terra da cidade desconhecida, saboreando os novos cheiros, cores e pessoas que via por onde passava. Algumas pessoas, com seus olhinhos em wide-screen, torciam o nariz emburradas, estranhando a tamanha felicidade que transbordava do rosto de Ana através daquele sorriso largo, adornado de vermelho e recheado de um branco brilhante, como diamante. Ana não se sentia culpada por ter deixado sua família para trás, no intuito de buscar um tempo para si. Ana sabia que tanto ela quanto sua família precisavam disso. Ela precisava se encontrar, onde quer que ela estivesse. Ela sabia que podia encontrar sua alegria mesmo nos lugares onde tinha certeza de que não havia perdido nada.
Quando a Cidade Proibida se ergueu à sua frente, com suas construções exageradamente enfeitadas a reluzir naquela tarde ensolarada, Ana viu considerou cada brilho a piscar nos adornos elaborados, um aceno que lhe significava "bem vinda Ana Diamante"! Respondeu com um sorriso radiante e adentrou a estradinha que dava para os portões fechados da Cidade Proibida.
Ainda sorrindo, parou diante dos portões do lugar e esperou que os dois guardas que vigiavam o portão abrissem o portão. Nenhum dos dois homens baixinhos se mexeram, apenas olhavam fixamente ela olhar o portão fixamente. Percebendo que eles estavam demorando demais, olhou para o homenzinho à sua esquerda e apontou para o portão, gesticulando para que ele abrisse. O homenzinho disse, com dificuldade para imitar o idioma de Ana, que ela proibido entrar ali. E, com um olhar esquisito, deixou implícito que era óbvio, afinal, o nome do lugar era Cidade Proibida. Vendo que Ana não entendeu, o outro homenzinho disse, com a mesma dificuldade em imitar o idioma de Ana:
- Cidada Pribida!
- Como assim? - perguntou Ana, realmente confusa. Será que eles realmente não a iriam deixar entrar?
- Pribida! - afirmou o homenzinho, sacudindo a cabeça como se estivesse latindo a palavra.
Ana ficou um tempo pensando. Se não era uma brincadeira, ou algo assim. Alguma pegadinha para divertir os turistas.
- Pribida! - disse o outro homezinho. - Vá! Vá! - e se aproximou dela, pegando o guidão da bicicleta e virando para que Ana desse meia volta e fosse embora.
- Vai tomar na tua bunda! E tira a mão da minha bicicleta se anão desnutrido. - disse Ana.
O homenzinho não lhe deu atenção e continuou empurrando o guidão. Ana desceu da bicicleta e começou a chutá-la. Depois pegou-a, sob os olhares incrédulos dos dois guardas, jogou-a novamente no chão, com toda a sua força e começou a pular em cima dela. Depois pegou o telefone, ligou para o hotel e pediu que o recepcionista lhe dissesse o número da polícia local. Eram poucos números e Ana decorou. Enquanto esperava alguém do departamento de polícia atender, um dos guardas se aproximou para levantar a bicicleta. Ana deu um bote ameaçando-o, com os olhos arregalados e os lábios crispados. O homem, com medo, se afastou. Quando conseguiu falar com alguém do outro lado da linha, com aquele mesmo linguajar esquisito, disse que estava sendo atacada por dois guardas nos portões principais da Cidade Proibida. Ouvindo aquilo, um homenzinho olhou para o outro, confusos. Quando desligou o telefone, Ana foi até o homenzinho da esquerda e lhe deu um chute na canela. Os homenzinhos lhe apontaram as armas e Ana mandou eles irem se ferrar.
Quando a polícia chegou, Ana explicou sua versão dos fatos de maneira bem rápida e confusa, mostrou seu passaporte e todos sorriram dizendo "Aaaaah". E então a deixaram entrar na Cidade Proibida.






 " Estou feliz por ser um idiota. Estou feliz por não saber nada. Estou feliz por não ter sido assassinado. Quando olho para minhas mãos e elas ainda estão nos pulsos, penso comigo mesmo: sou um cara de sorte.
(trecho de Numa Fria, de Charles Bukowski)

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Episódio 7 - Season Finale


Criaturas Importadas

  O dia estava muito quente e a música muito alta. O grave fazia tremer a janela do escritório. Ulisses estava sentado escrevendo. Ele não estava tão disposto para escrever como antes de morrer. Não gostava das linhas que digitava no computador, mas insistia. Já estava cansado, inclusive, de escrever coisas boas. Queria simplesmente escrever, escrever por escrever, dizer por dizer, sem fazer-se entender. A sua bebida já estava quente, mas ele não se importava. Sentiu vontade de ligar sua vitrola, mas a música que vinha do vizinho da frente iria sobrepor-se ao seu som, então desistiu. A música do vizinho, no entanto, não era ruim. Era uma eletrônica lenta que estava na moda. Música de jovens na madrugada.
No andar debaixo, Ana assistia um filme de ficção científica em que humanos invadem e destroem toda uma raça alienígena que vivia quase em paz em um planeta distante. Bebia suco de plasma bem gelado e reclamava do calor que a fazia suar desconfortavelmente. Ela e Ulisses estavam muito distantes um do outro e isso a incomodava quando não estava se distraindo com trabalho ou televisão. Fazia um tempo que não lia um bom livro, aliás. Coisa da qual sentia muita falta. Mas se fosse ler algo, muito provavelmente só iria ler os livros de seu marido, coisa que não gostaria de fazer, pois, ironicamente, reforçava a distancia entre os dois.
 
- Não, obrigada. - respondeu Alexia, recusando a bebida alcoólica gelada oferecida por seu avô.
- Mas sua mãe disse que você gosta, bichinha.
- Ah, vô. Eu até gosto, mas eu só bebo anti socialmente.
- E como é isso, menina? Beber sozinha não presta. Faz mal.
- Faz nada, vô. É até melhor.
- Isso é deprimente. Isso sim.
Opinou sua avó, do outro lado da sala, onde costurava a bainha de uma calça do marido.
Alexia estava na casa de seus avós, pois já estava cansada de alternar entre ficar sozinha, bebendo e pensando demais em tudo que a ignorava, ou aguentando o silêncio emocional entre seus pais. Ana e Ulisses não ficavam juntos, sempre faziam as coisas sozinhos e quando se falavam, pareciam dois desconhecidos um para o outro, aos olhos de Alexia.
Quando anoiteceu, Alexia pediu seu avô que a levasse em casa. Ao chegarem lá, Ulisses ainda estava no escritório e Ana em lugar nenhum da casa. Alexia perguntou ao seu pai onde estava sua mãe, afinal ela não costumava sair de noite.
- Sei lá. Acho que foi pra China. - respondeu seu pai, sem tirar os olhos da tela e sem parar de digitar.
- Quê? - perguntou Alexia. Quase perplexa, mas não muito, pois sabia que coisas estranhas viviam acontecendo na sua família.
- Ela vai entrar em contato em breve. Eu acho. - disse Ulisses.
- Tá bom, fazer o que. - disse Alexia, virando-se e despedindo-se de seu pai para ir dormir.

Quando chegou em Shang Simla, Ana foi do aeroporto até o hotel de bicicleta, feliz da vida. Contente como não se lembrava de estar há décadas. Uma atitude impulsiva! Era disso que ela precisava para se manter livre. Quando chegou ao hotel, ligou para casa e falou com Ulisses que havia chegado bem e que estava muito feliz. O que já estava bastante evidente em sua voz.
Quando o dia amanheceu, Alexia foi sonolenta até a cozinha, esfregando o olhos. Levou um susto quando viu o fantasma de uma senhora fritando ovos.
- Que isso? - disse.
- Cruz credo! - respondeu a fantasma, deixando as chamas subirem na frigideira com uma explosão.
- Desculpe.
Completou a fantasma, e começou a chorar.
- Espere. Vai deixar os ovos queimando?
- Oh, céus! Desculpe, desculpe, desculpe. - respondeu a senhora fantasma, chorando mais ainda.
- Não, senhora. Não foi o que eu quis dizer. Não tem problema, deixa que eu termino pra senhora.
Cibelle foi se afastanda e dizendo:
- Muito obrigada. Você é um doce de menina. Me desculpe. Obrigada...
A fantasma flutuou para trás até atravessar a parede dos fundos da cozinha e desaparecer.
- Que loucura. - disse Alexia. - É loucura que não acaba mais.

Da janela do banheiro do último andar, Ulisses assistia o fantasma de Cibelle flutuar curvado pelo gramado até mergulhar em sua lápide no cemitério.








 - Bebei, filho.
 - Instintivamente Hugo levou sua mão até onde repousava um copo de uísque. Hugo obedeceu, com alegria, a ordem do Senhor. Tomou um gole e ficou olhando para Deus com grande expectativa.
- Eu vou esperar você ficar bêbado. Só assim conseguirás conversar direito.
(trecho de Esquimolândia - A Vingança, de Ulisses Alves)

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Capítulo 6


Criaturas Importadas

  Do escritório dava para ouvir os barulhos da casa em frente. A prataria que se estilhaçava, os gritos abafados pelas janelas fechadas, o armário antigo e pesado que caiu. Alexia acordou assustada e olhou pela janela, para a casa do vizinho. Os gritos ficaram ainda mais evidentes quando uma das janelas da casa explodiu, desintegrando a vidraça. Alexia correu para longe de sua janela, e ficou parada no outro canto do quarto. No andar de cima, Ulisses observava calmamente a bagunça na casa do vizinho. Tentou voltar a escrever, ignorando a situação ao lado, mas não conseguiu se concentrar. Suspirou então e ficou da janela, imaginando o que poderia estar acontecendo. Achou muito interessante a explosão da janela e não conseguiu conter sua imaginação. Sabia que podia contar com as pessoas, muito embora não as suportasse. Portanto, convenceu-se de que sua consciência estava limpa e ficou ali sentado, na sua confortável cadeira de escritório assistindo o desenrolar da história, sem dúvidas algum vizinho ligaria para a polícia, disso Ulisses tinha certeza. Ulisses também não pode evitar um sorriso torto ao lembrar que podia sempre contar com o pavor previsível que acometia as pessoas em situações como aquela.
Na casa em frente, a coisa estava feia. Marcos José corria de lá para cá, com uma criatura verde e nojenta em seu encalço. O bicho desconhecido, se parecia levemente com um anão raquítico, fluorescente. Era muito veloz, mas, para a sorte de Marcos e Viviana, a criatura era extremamente destrambelhada. A casa estava completamente destruída. Viviana levou as mãos ao rosto e sacudiu a cabeça, lamentando profundamente sobre os destroços do grande armário com as cinzas de gerações e gerações de sua família. Marcos José, quando conseguiu despistar a criatura que lhe perseguia, sacudiu a cabeça apavorado com o estado de sua sala de estar. Metade da TV estava apoiada no sofá, a metade da outra metade balançava debilmente pendurada no pequeno pedaço do lustra que ainda jazia pendurado no teto rachado.
- Eu disse para você não deixar a louça acumular, Viviana! Mas que droga! Porque não lava a porcaria da louça?
- Ah, vai tomar...
O grito esganiçado da criatura a interrompeu. os olhos felinos da criatura, sem pupilas, sem íris, sem nada, tornou a se acenderem com uma luz prateada.
- De novo não! - gritou Marcos.
O casal abaixou-se e, da casa em frente, Ulisses viu a porta da frente de seus vizinhos se espatifar na calçada, quase acertando o carteiro.

Mais tarde, quando já começava a anoitecer, homens de terno preto levavam uma criatura que, se não fossem seus ruídos diabólicos e seus olhos felinos completamente pretos, podia-se dizer que era uma criança comum. Ana ainda não havia chegado e Ulisses se sentia cansado por causa do calor e frustrado por não ter conseguido escrever nada. Depois de dar uma volta pela mansão, o escritor começou a se sentir nostálgico. Alexia estava bebendo em seu quarto e isso deixou Ulisses se sentindo péssimo. Foi então para o lugar que sempre acolhia os angustiados, respeitando, multiplicando e temperando a miséria de cada um: o quarto debaixo do cemitério.
Preparou para si, um drinque. No entanto, fez isso somente para praticar suas habilidades no preparo de bebidas. Deixou o drinque ali e abriu uma garrafa de destilado dourada. Encheu um copo largo com a bebida e sentiu o cheiro lhe subir às narinas. Bebeu um grande gole da bebida e sentiu-se anestesiado emocionalmente em menos de um minuto. Bebeu então mais um grande gole e deslizou pela escuridão e pela superfície áspera, íngreme e acolhedora da nostalgia. Depois de quase meia garrafa da bebida, tirou o pano preto de cima de sua pedra filosofal e invocou o espírito de Cibelle.
As coisas aconteciam rápidas, tortas e confusas. Mas num lapso de sobriedade, Ulisses se viu diante do fantasma prateado de uma sonhora que olhava para tudo com um olhar perdido e preocupado.
- Cibelle? - disse.
- O que eu estou fazendo aqui? Onde eu estava e onde eu estou agora?
Ulisses se sentiu-se, inexplicavelmente culpado, entendendo que podia ter feito algo muito perigoso, ou, no mínimo desrespeitoso e egoísta. Cibelle olhava ao redor, perdida, e então seus olhos encontraram Ulisses.
- Eu não conheço você?
Ulisses, sentindo uma grande excitação dentro de si, feita de preocupação, sentimento de culpa, ansiedade, nostalgia e uma pitada explosiva de prazer por ter sua Cibelle de novo, sorriu tristemente e afirmou que sim com a cabeça.






 "- O amor é uma espécie de preconceito. A gente ama o que precisa, ama o que faz a gente se sentir bem, ama o que é conveniente. Como pode dizer que ama uma pessoa quando há dez mil outras no mundo que você amaria mais se conhecesse? Mas a gente nunca conhece.
(trecho de Numa Fria, de Charles Bukowski)

sábado, 28 de dezembro de 2013

Capítulo 5


Inspiração

  Como escritor, Ulisses se sentia sem inspiração e disposição para escrever algo que pudesse ser apreciado. Na escuridão dos corredores da casa vazia ele percorreu sua solidão. Até que o fantasma de Snypes começou a lhe aparecer em todos os corredores da casa.
  - Oi Sr. Alves. Vamos conversar?
  - Porque não?
  Respondeu, perguntando Ulisses, sorrindo.
  Ulisses e Snypes encaminharam-se para o porão debaixo do cemitério.
  - Fala aí. Beleza, rapaz? - começou Ulisses, sacaneando Snypes.
  Quando Snypes começou a falar, foi interrompido pelo escritor.
  - Tive uma súbita vontade de escrever. A solidão me fez bem.
  Confessou, sorrindo.
  Despediu-se de Snypes e subiu as escadas para o cemitério. Snypes, que, apesar de estar planejando uma conversa com Ulisses à semanas, perdeu a vontade de conversar com ele naquele porão escuro daquele dia quente e ensolarado. Dias quentes e ensolarados não eram propícios à existência de fantasmas nebulosos e cinzentos com rancor pelos vivos no vazio onde antes batia um coração. Enquanto imergia nas trevas do porão, Ulisses emergia da escuridão das escadas do porão para a luz do sol que iluminava a grama verde do cemitério.  Correu para o escritório no último andar, abriu seu velho computador vinho e começou a digitar.







 "- Pode se saber o que estava procurando na segunda fileira das estantes? - Inspiração e, como pode ver, encontrei. - Mas de tipo culinário. Combinamos que escreveria todo santo dia, com inspiração ou não.
(trecho de O Jogo do Anjo, de Carlos Ruiz Zafón)