terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Episódio 7 - Season Finale


Criaturas Importadas

  O dia estava muito quente e a música muito alta. O grave fazia tremer a janela do escritório. Ulisses estava sentado escrevendo. Ele não estava tão disposto para escrever como antes de morrer. Não gostava das linhas que digitava no computador, mas insistia. Já estava cansado, inclusive, de escrever coisas boas. Queria simplesmente escrever, escrever por escrever, dizer por dizer, sem fazer-se entender. A sua bebida já estava quente, mas ele não se importava. Sentiu vontade de ligar sua vitrola, mas a música que vinha do vizinho da frente iria sobrepor-se ao seu som, então desistiu. A música do vizinho, no entanto, não era ruim. Era uma eletrônica lenta que estava na moda. Música de jovens na madrugada.
No andar debaixo, Ana assistia um filme de ficção científica em que humanos invadem e destroem toda uma raça alienígena que vivia quase em paz em um planeta distante. Bebia suco de plasma bem gelado e reclamava do calor que a fazia suar desconfortavelmente. Ela e Ulisses estavam muito distantes um do outro e isso a incomodava quando não estava se distraindo com trabalho ou televisão. Fazia um tempo que não lia um bom livro, aliás. Coisa da qual sentia muita falta. Mas se fosse ler algo, muito provavelmente só iria ler os livros de seu marido, coisa que não gostaria de fazer, pois, ironicamente, reforçava a distancia entre os dois.
 
- Não, obrigada. - respondeu Alexia, recusando a bebida alcoólica gelada oferecida por seu avô.
- Mas sua mãe disse que você gosta, bichinha.
- Ah, vô. Eu até gosto, mas eu só bebo anti socialmente.
- E como é isso, menina? Beber sozinha não presta. Faz mal.
- Faz nada, vô. É até melhor.
- Isso é deprimente. Isso sim.
Opinou sua avó, do outro lado da sala, onde costurava a bainha de uma calça do marido.
Alexia estava na casa de seus avós, pois já estava cansada de alternar entre ficar sozinha, bebendo e pensando demais em tudo que a ignorava, ou aguentando o silêncio emocional entre seus pais. Ana e Ulisses não ficavam juntos, sempre faziam as coisas sozinhos e quando se falavam, pareciam dois desconhecidos um para o outro, aos olhos de Alexia.
Quando anoiteceu, Alexia pediu seu avô que a levasse em casa. Ao chegarem lá, Ulisses ainda estava no escritório e Ana em lugar nenhum da casa. Alexia perguntou ao seu pai onde estava sua mãe, afinal ela não costumava sair de noite.
- Sei lá. Acho que foi pra China. - respondeu seu pai, sem tirar os olhos da tela e sem parar de digitar.
- Quê? - perguntou Alexia. Quase perplexa, mas não muito, pois sabia que coisas estranhas viviam acontecendo na sua família.
- Ela vai entrar em contato em breve. Eu acho. - disse Ulisses.
- Tá bom, fazer o que. - disse Alexia, virando-se e despedindo-se de seu pai para ir dormir.

Quando chegou em Shang Simla, Ana foi do aeroporto até o hotel de bicicleta, feliz da vida. Contente como não se lembrava de estar há décadas. Uma atitude impulsiva! Era disso que ela precisava para se manter livre. Quando chegou ao hotel, ligou para casa e falou com Ulisses que havia chegado bem e que estava muito feliz. O que já estava bastante evidente em sua voz.
Quando o dia amanheceu, Alexia foi sonolenta até a cozinha, esfregando o olhos. Levou um susto quando viu o fantasma de uma senhora fritando ovos.
- Que isso? - disse.
- Cruz credo! - respondeu a fantasma, deixando as chamas subirem na frigideira com uma explosão.
- Desculpe.
Completou a fantasma, e começou a chorar.
- Espere. Vai deixar os ovos queimando?
- Oh, céus! Desculpe, desculpe, desculpe. - respondeu a senhora fantasma, chorando mais ainda.
- Não, senhora. Não foi o que eu quis dizer. Não tem problema, deixa que eu termino pra senhora.
Cibelle foi se afastanda e dizendo:
- Muito obrigada. Você é um doce de menina. Me desculpe. Obrigada...
A fantasma flutuou para trás até atravessar a parede dos fundos da cozinha e desaparecer.
- Que loucura. - disse Alexia. - É loucura que não acaba mais.

Da janela do banheiro do último andar, Ulisses assistia o fantasma de Cibelle flutuar curvado pelo gramado até mergulhar em sua lápide no cemitério.








 - Bebei, filho.
 - Instintivamente Hugo levou sua mão até onde repousava um copo de uísque. Hugo obedeceu, com alegria, a ordem do Senhor. Tomou um gole e ficou olhando para Deus com grande expectativa.
- Eu vou esperar você ficar bêbado. Só assim conseguirás conversar direito.
(trecho de Esquimolândia - A Vingança, de Ulisses Alves)

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