sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Capítulo 4


FBI Contra a Sobriedade

  O universo era contemplado pela mente soturna de Alexia e o passado lhe esperava em cada esquina de sua imaginação desesperançosa. Mais uma vez ela segurava uma garrafa de destilado e levava-a à boca, vez por outra, nas pausas que fazia em sua leitura de A Casa dos Esquecidos, escrito por seu pai. Falava sobre uma casa nos confins da cidade onde ela vivia, uma casa de madeira com uma ponte que passava sobre um pequeno lago na entrada. Todos os moradores da casa não se lembravam de quem eram antes de ali chegarem. Era como se suas vidas começassem no dia em que se mudavam para a casa. Alexia, cada vez mais se apaixonava pela mente de seu pai, pelas perspectivas que ele reservava para si e compartilhava com o mundo através de suas palavras, muito embora sua narrativa não fosse tão fluente quanto sua fala no dia a dia.
  Bateram à porta. Como estava sozinha em casa, Alexia decidiu ignorar. Estava bêbada e não queria passar a vergonha de falar enrolado na frente de ninguém. Mas a pessoa insistiu e Alexia levantou-se da cama furiosa e corajosa para mandar a pessoa embora. Quando abriu a porta, deparou-se com um brilhoso distintivo do FBI. Começou a gaguejar mas foi gentilmente interrompida.
  - Alexia?
  Ela tentou formar o nome do homem em seus lábios, mas percebeu que não conseguia lembrar o nome dele, nunca conseguiu.
  Com um sorriso disse:
  - Ei. Eu lembro de você. Nossa, você é do FBI?
  - Sim. É uma longa história. Veja, seus pais estão?
  - Aonde? - perguntou Alexia.
  - Em casa. - disse ele, percebendo que Alexia não parecia muito bem.
  - Ah. - sorriu Alexia, com os olhos quase fechados e vermelhos. - Não, eles não estão em casa. - E, sucumbindo às cócegas da paranoia, completou - Ainda. Não irão demorar.
  - Nem eu.
  O homem entrou na casa observando tudo como se nunca houvesse entrado lá antes.
  - Posso ver o porão debaixo do cemitério, Lexi?
  - Não.
  A resposta pegou o homem completamente de surpresa.
  - O que?
  - Não. - repetiu Alexia, com simpatia, rindo normalmente.
  - Você está bem, Alexia?
  O homem perguntou, franzindo o cenho, verdadeiramente curioso, mas não suficientemente preocupado.
  - Não. - Alexia respondeu, ainda sorrindo simpática e vulnerável.
  - Com licença, Alexia. Preciso dar uma olhada no porão.
  O homem já ia se virando quando Alexia, o interrompeu.
  - Mas eu disse não.
  - Como?
  - Você me perguntou se podia ver o porão e eu disse que não.
  - Vocês estão escondendo alguma coisa, Alexia! - perdeu a paciência, o homem.
  Aproximou-se de Alexia e a menina deu um passo atrás. Nunca havia visto seu ex-mordomo dessa maneira. Sempre o via como um companheiro que acobertava suas bagunças e comia torta de limão com ela quase todas as manhãs. Agora, Alexia foi assaltada pela lembrança do olhar atento dele para o suco vermelho que sua mãe tomava misturado com suco de laranja de manhã. Agora ela percebeu uma pitada daquele olhar derramando-se sobre ela e percebeu que aquilo era desconfiança.
  - Você pode me dar licença? - começou Alexia, muito séria. - Eu estou ocupada.
  - Eu também, Alexia. Eu estou trabalhando.
  - Dane-se! Eu não estou na sua casa te atrapalhando.
  - Atrapalhando a beber?
  - Beber, ler, etc. Não te interessa.
  - Você não era assim, Lexi.
  - Você está me chamando carinhosamente para me fragilizar.
  Alexia sorriu, vitoriosa.
  - Você sempre foi muito inteligente.
  - Continuo sendo. - fez uma pausa e tentou abafar um arroto com a mão.
  - Escute Alexia, pegue o meu cartão. Nos falaremos em outra ocasião, ok? De preferência quando você estiver sóbria.
  - Acho melhor. Obrigada.
  O homem partiu e Alexia perdeu a vontade de beber. Mas recuperou-a, cinco minutos e meio depois. Foi até seu quarto e disse oi para as garrafas de destilado mexicano que guardava debaixo da cama.








 "Esse era o problema de ser escritor, o problema principal - ócio, ócio demais. A gente tinha de esperar que a coisa crescesse até poder escrever, e enquanto esperava ficava doido, e enquanto ficava doido bebia, e quanto mais bebia, mais doido ficava. Não havia nada de glorioso na vida de um escritor nem na vida de um bebedor.
(trecho de Numa Fria, de Charles Bukowski)

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