domingo, 22 de dezembro de 2013

Capítulo 3


Destilado Mexicano

  Snypes estava sentado em um banco na praça da cidade. A luz da lua banhava toda a cidade. O vento soprava pelas ruas desertas da madrugada morna e Snypes se sentia péssimo por não conseguir sentir nada disso. Seu espírito cinza permanecia cabisbaixo e tristonho na solidão da praça. Seus olhos incapazes de derramarem lágrimas sonhavam algo misterioso por debaixo da aba de sua boina transparente. Agora que Ulisses Alves II havia conseguido retornar à vida carnal, Snypes se sentia mais sozinho do que nunca. Imaginou. em vida, que jamais encontraria a sensação de abandono no vazio da morte, mas decepcionou-se com a realidade de que agora, mesmo morto e livre, sentia-se completamente perdido.

  O agente do FBI bateu novamente na porta da casa dos Alves II duas manhãs depois de sua primeira visita. Dessa vez ele tinha um mandato.
  - Entre. - convidou Ulisses, sorridente. - Aceita um café?
  - Não. Muito obrigado, senhor Alves.
  - Segundo. - complementou Ulisses, sorrindo.
  - Como?
  - Senhor Alves Segundo.
  - Ah, sim. Desculpe.
  - Sem problemas.
  O homem olhou todos os cômodos, mas Ulisses reparou que o agente do FBI pareceu se interessar demais pelo porão sob o cemitério. Ulisses percebeu que ele não pareceu surpreso com o cômodo escuro sob os restos mortais no fundo do quintal. Também não encarou com pouca naturalidade o fato de a família ter um cemitério no fundo do quintal da mansão, geralmente isso causava espanto. Ulisses lembrou-se do homem, então. Era o mordomo que trabalha para sua família enquanto Ulisses estava morto. Ulisses começou a imaginar o que aquele homem estava procurando em seu porão.
  - Se eu avistar algum alienígena por aqui, eu lhe aviso. Pode ficar tranquilo quanto a isto.
  Afirmou Ulisses ao se despedir do homem.

  Ainda sofrendo com seus dilemas repentinos, Alexia se avaliava no espelho da sala de ginástica após uma sessão de esteira bem puxada. Além de exausta, continuava triste. Ficou então, divagando sobre como poderia permanecer emocionalmente imune à endorfina liberada devido a corrida. Isso a fez pensar que sua situação emocional era mais séria do que parecia e começou a se achar profundamente depressiva. Decidiu tomar um bom banho de banheira com uma garrafa de vinho. Mas estava com sede e vinho não iria cair bem. Então percebeu que era chegada a hora de beber algo novo. Foi até o porão, esquivando-se de seus pais, e pegou uma garrafa predominantemente quadrada, de origem mexicana. Parecia refrescante e forte ao mesmo tempo. Acima de tudo, forte o suficiente para sentir-se satisfeita com a vida, o universo e tudo o mais, com duas doses. Depois disso poderia tomar um refrigerante gelado. Seu pai a viu quando subia as escadas com a garrafa na mão, bem grudada à perna na tentativa de ocultá-la da vista de quem estivesse na sala. Mas seu pai, sempre atento, percebeu o que estava acontecendo e lhe lançou um olhar jocoso de repreensão. Alexia deu um sorrisinho sem graça e Ulisses conseguiu lhe dizer com o olhar que depois resolveria com ela aquela questão, mas que ela aproveitasse o banho e o destilado, por hora. Alexia sorriu e subiu as escadas. Encheu a banheira, abriu sua garrafa e tomou um longo e doloroso gole, direto do gargalo. Fez uma pausa e, quando a ardência amenizou, tomou mais um longo gole. Porém, não aguentou e deixou um pouco da bebida escorrer de sua boca, passar por seu pescoço e desembocar na água da banheira. Ficou intercalando o destilado com o refrigerante gelado que já estava no banheiro por um longo tempo na banheira, ouvindo músicas melancólicas que falavam sobre esperanças e sonhos crucificados. Permaneceu de olhos fechados, a sonhar com suas angústias e como se identificava com elas. A alegria não lhe parecia confortável, apenas barulhenta e necessária.








 "- O tempo, meu caro Max, não existe: é uma ilusão. Até o seu amigo Copérnico teria descoberto isso se tivesse tido tempo, justamente. Irônico, não é mesmo?
(trecho de O Príncipe da Névoa, de Carlos Ruiz Zafón)


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