quinta-feira, 25 de abril de 2013

Deslocado

Parte I: Verão


       - Você precisa descansar mais. Você está parecendo um zumbi, sabia?
       - Eu sei, mas eu não posso. Eu gostaria muito de ir descansar tranquilo hoje, mas eu não posso.
       A menina apoiou seu copo de cerveja na mesa com delicadeza, secou a mão levemente na toalha da mesa e em seguida estendeu a mão pequena e macia até os dedos do rapaz. Ao contato, ele não ergueu o vista do fundo do seu copo de cerveja, e sem sequer olhar nos olhos de quem lhe tocava delicadamente ele disse:
       - Eu não sei quando exatamente tudo ficou tão sensível.
       Agora ele olhou para ela, e ela assustou-se um pouco com as enormes olheiras que circundavam os olhos dele.
       - Eu lembro que até pouco tempo atrás, eu podia sair e participar do mundo, falar coisas sem pensar muito, fazer coisas naturalmente. Mas de repente, tudo isso mudou.
       Fez uma pausa e olhou para o teto do restaurante, caçando desesperadamente explicações dentro de si e desesperançoso quanto conseguir traduzi-las em palavras.
       - Agora, tudo que eu falo tem uma repercussão muito grande. Tudo o que eu não digo também. Qualquer passo que eu dou, precisa ser meticulosamente esquematizado antes, e isso está me enlouquecendo.
       - Eu não entendo que tantas coisas você tem nessa sua cabecinha, meu amor. Sinceramente eu não sei.
       - E isso agrava muito a situação. Ninguém sabe, ninguém me acompanha. Eu estou completamente sozinho. Tudo o que eu digo e tudo o que eu faço tem uma natureza única e, aparentemente distante de todo mundo. Para piorar a situação, minhas ações, cuja natureza é desconhecida por todas as pessoas que me cercam, são avaliadas e justificadas segundo a vontade de cada um.
       A garota não compreendeu inteiramente o que ele quis dizer e sendo assim voltou para seu copo de cerveja.
       - Tudo o que faço, tudo o que eu falo... tem um peso muito grande. - repetiu ele derradeiramente e tomou um bom gole de sua cerveja.


- Teresópolis, 11 de dezembro de 2010 - 138.069 - 138.060



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