domingo, 7 de abril de 2013

Episódio 4


Propósitos

       As questões do exercício de geografia estavam fáceis de serem resolvidas. Mas Alexia estava de mau humor. Não só porque se desentendeu com um coleguinha na escola que disse que ela era muito chata e sem graça, mas também porque havia sido assaltada por um pensamento incômodo, porém lógico. Ela testemunhou a sua professora de matemática dizendo à uma coleguinha de sua sala que os alunos não estudavam para seus pais e nem para seus professores. Então, sendo assim, Alexia instantaneamente questionou a importância de fazer uma avaliação escrita, cujo único objetivo era provar para sua professora que ela havia ensaiado os assuntos que a mulher havia sugerido. Não fazia sentido para a menina, já que ouviu, da boca da mulher, a confirmação de que ela estudava para si mesma. Se ela não estudava para satisfazer sua professora, então porque ela tinha que provar qualquer coisa para aquela pessoa?

       Alexia, emburrada, continuou a fazer a sua tarefa de casa. Após terminar, revisou com atenção, conforme sempre fazia. No entanto, de repente, alegrou-se, pois lembrou que seu aniversário estava chegando. Ana estava ocupadíssima com os preparativos e ligando para os convidados. A festa seria dali a três dias e havia muito a ser feito. 
Contudo, a vida de Ana e Alexia, estava bastante monótono e, Ana, particularmente, andava absurdamente aflita e muito atarefada no trabalho e se sentia péssima em não conseguir dar a devida atenção à sua filha, apesar de estar se dedicando, o máximo que podia, à festinha da menina. Alexia, por sua vez, parecia sempre despreocupada, e, ainda assim, atenta para que todas as suas atividades fossem feitas da forma mais eficiente possível, mas de uma forma nem um pouco desgastante para si. E esse esforço de manter-se atenta, mas despreocupada e o desgaste de tentar fazer esse esforço não ser desgastante, estava desgastando a menina, que, no final das contas, no fundo, ela sabia que estava, além de desgastada, preocupada em estar desgastada quando o dia da festa chegasse. E por causa disso tudo, acabava ficando, constantemente, desatenta.
       No ápice de sua ansiedade, Ana largou o computador e desceu as escadas silenciosamente para não anunciar a sua proximidade. Da porta da cozinha observou sua filha compenetrada em suas tarefas escolares. Nesse momento, decidiu, impulsivamente, se dedicar a ressuscitar seu marido morto. Conversaria com Alexia em um momento oportuno sobre a história do fantasma que ela havia visto e investigaria isso. Para sustentar sua decisão, avaliou o argumento de que jogava na loteria, mas nunca ganhava. Jogava porque poderia vencer, independente de acreditar ou não na vitória. Da mesma forma, achava-se um tanto boba em acreditar em fantasmas, mas, logicamente, o fato de ela acreditar ou não, de maneira alguma interferiria na realidade de eles existirem ou não. Pouco antes de dar meia volta e subir os três andares de volta para o escritório, afim de terminar logo a resenha que estava escrevendo sobre a quantidade absurda de açúcar nos néctares da cidade, deteve-se no pé da escada e pensou sobre o vento, que não era sólido e nem visível, mas mesmo assim, movia as coisas, resfriava outras e até emitia som. Lembrou do fogo, que também não é sólido, não ultrapassa suas dimensões, que, aparentemente são definidas pelo combustível de origem, ou algo assim, e causa transformações absurdamente intensas nas coisas. Claro que tudo isso, por mais mágico que parecesse, tinha uma explicação coerente. Então, porque os fantasmas não podiam ter uma explicação coerente. É mais fácil afirmar que eles não existem.
       Quando chegou ao segundo andar, seus pensamentos ainda estavam obcecados pelo assunto e teve que se questionar por que os fantasmas não apareciam nos jornais sérios. Porque eram tão reclusos. Nunca havia lido no jornal principal jornal da cidade, uma manchete do tipo: "Alma Penada Sequestra Três Crianças", ou "Fantasma de João Guilherme Santos de Azevedo é Preso por Porte Ilegal de Armas de Fogo". E não era porque filtravam, censuravam, ou qualquer coisa assim, ela sabia, pois trabalhava para o principal jornal da cidade. Já no terceiro andar da casa, não pode deixar de se perguntar sobre a forma de um fantasma. "A pessoa morrer e virar fantasma, não parece coerente, mas pode ser quase aceitável, mas porque a roupa também morre e vira fantasma junto com o falecido? As roupas são seres vivos?", pensou Ana, incrédula. Decidiu escrever sobre isso assim que terminasse sua resenha sobre o excesso de açúcar nos néctares.


       Após terminar sua tarefa de casa, Alexia sentou-se na escada da varanda e começou a se preocupar com o que faria da vida profissionalmente. Não havia nada específico que lhe parecesse importante, de uma maneira geral. Por um momento, ao olhar para as lápides no pequeno cemitério no canto do jardim, pensou que se não fizesse nada, ao morrer, sairia no lucro, pois não deixaria nenhuma conquista ser anulada pela sua morte. Caso se esforçasse bastante e conquistasse muitas coisas, a morte faria com que todas as suas conquistas ficassem para trás e todo o esforço da menina teria sido em vão, pois não usufruiria de nenhum dos resultados de suas vitórias. Temeu que sua vida fosse preenchida, do início ao fim, por uma busca pelas coisas que só encontraria quando já não tivesse forças e nem vivacidade para apreciar. E quando passasse últimos os anos de sua vida rodeada de coisas que passou a vida buscando e agora não tinha forças para aproveitá-las, aquele homem de capuz preto e aquela lâmina macabra, viria lhe dar ordens e lhe deixaria perambulando pela casa em sua forma envelhecida e fantasmagórica pelo resto da eternidade, até que não houvesse mais planeta para ela vagar, e então a menina se pegou imaginando-se flutuando perdida no espaço sideral. Visualizou-se, em sua mente, flutuando em direção à lua, moraria por lá. Aí então pensou que algo poderia acontecer com a lua também e ficou absurdamente preocupada e desatenta, imaginando seu futuro solitário e sem rumo, pela estrada sem fim pavimentada de anos-luz sequenciais na escuridão absoluta do universo.


       Repleta de pensamentos conflitantes, levantou-se e foi dormir na sua cama rosa e confortável  no segundo andar da casa. Gostaria muito de sonhar com aquele fantasma amarelado novamente, e prometeu a si mesma que se esforçaria para tentar conhecê-lo pelo menos um pouquinho, pelo menos o nome gostaria de saber.





"A coisa mais incompreensível sobre o mundo que nos rodeia é que ele é compreensível."
(Albert Einstein)


Nenhum comentário: