domingo, 14 de abril de 2013

Episódio 5


Expansão Mental

Um feixe de luz pareceu passar por debaixo de porta do quarto. A noite estava clara e a lua estava cheia. Cheia de brilho, tamanho e algo mais. Esse algo mais que a lua transmitia àquela noite, incomodava Ana de uma forma esquisita, deixando-a ansiosa. Com vontade de sair, ou simplesmente fazer uso daquela churrasqueira na varanda, perto do cavalete que Alexia adorava. Eram onze e vinte e três da noite e Ana estava tentando dormir à mais de duas horas. Quando o feixe de luz extremamente branco e brilhante, até mesmo cintilante, passou pelo corredor, emitindo um feixe curto e de pouca intensidade, ela estava no ápice de seus devaneios. Ela não teve medo, sentiu-se apenas curiosa e levantou-se da cama feliz e decidida a descobrir se aquela luz era transmitida pelo que ela suspeitava (e gostaria) que fosse.
Sem saber exatamente por que, ela abriu a porta e seguiu pelo corredor até a varanda. Lá, encontrou uma pessoa a balançar tranquilamente na cadeira de balanço da esquerda. Pela sua experiência de vida, as características daquela pessoa levavam Ana Alves II a crer que se tratava de um fantasma. A moça de pé, usando seu pijama curto e sentindo frio, e o homem brilhante, cintilante e transparente sentado confortavelmente na cadeira de balanço, olhando o pequeno cemitério lá embaixo, no canto do quintal, não se espantaram com a presença um do outro. Para Conde Snypes, a existência de pessoas lhe era incômoda quando ainda era uma pessoa. Depois que aquela pessoa mística, vestida com uma capa negra esfarrapada, com um capuz que lhe ocultava um rosto que Snypes acreditava não existir, surgiu do nada com uma foice na mão e lhe orientou a fazer o que mandava, o velho conde passou a ter uma visão menos rabugenta sobre as pessoas.
Ana ia dizer alguma coisa, mas não achou nada útil para dizer. Na verdade, havia um fantasma sacudindo-se tranquilamente na cadeira de balanço da varanda de sua casa, o que ela poderia dizer? Conde Snypes, continuou balançando. Não se deu ao trabalho de olhar para trás, mesmo sabendo que a dona da casa estava ali, pensando em algo à dizer e sabendo que não havia nada para ser dito. O fantasma sentia-se tão livre e tranquilo que não se culpou por seu atrevimento em estar na residência alheia sem permissão. Contudo, uma residência, é o nome que se dá á uma construção repleta de paredes onde as pessoas se encerram quando querem. Snypes não estava na casa de Ana Alves II. Estava no mundo, e tinha o direito de permanecer onde quisesse, pois o mundo não era de ninguém, embora todo alguém tenha o hábito de delimitar espaços físicos e morais e atribuir ali ideias de posse. Quando Conde Snypes cansou de olhar o cemitério, naquela noite tão agradável, o velho fantasma levantou-se da cadeira e passou por Ana, - que ainda estava de pé, confusa, porém mantendo um ar superior de dona da casa, tentando dizer com o olhar que era ela quem mandava ali, - olhando-a tranquilamente, inofensivamente  informando com os olhos brilhantes e transparentes, que voltaria quando quisesse.
Naquela noite, Ana não conseguiu dormir. Deu uma cochilada de aproximadamente umas três horas e levantou-se da cama às sete e sete, quando ouviu Alexia descer as escadas.
Durante o café da manhã, Alexia, intrigada, deixou-se levar pela curiosidade e perguntou à mãe o que era aquela caixinha de suco vermelho que a mãe sempre tomava, de manhã, de tarde, ou de noite. A mãe ouviu a pergunta, mas deixou-a ir embora, subconsciente afora, pois tinha urgência em informar a Alexia que havia tido contato com o tal fantasma.
- Mas mãe, o fantasma que eu vi não era velho e nem era careca. Também não era prateado. Ele era um homem novo, amarelo. - baixou a cabeça em dúvida e perguntou, mas para si mesma, que para a mãe - fantasmas se sujam?
Ana deixou-se cair para trás no encosto da cadeira, perdida por não ter controle da nova situação e feliz pela liberdade de saber que existia uma nova situação que prometia que as coisas não precisavam ser tão chatas e pequenas. Com um suspiro e um ar de desagrado deixou escapar um desabafo:
- Então temos mais de um fantasma em casa.
A menina riu vividamente, de uma maneira que parecia até conspiratória, mas não era. Era somente o jeito padrão de Alexia sorrir quando estava realmente animada.
Alexia comeu a última colherada de seu cereal matinal e pensou em perguntar à mãe, novamente, sobre a única coisa que ela consumia nas refeições: aquele suco vermelho. Mas desistiu, pois, subitamente, foi tomada pela excitação de terminar o capítulo no qual estava trabalhando de seu livro. Desejou bom dia à sua mãe, com uma linda vivacidade nos olhos arregalados e, como um raio disparou para o escritório no último andar da casa. Durante sua saída, deixou para trás a repreensão da mãe por ter quase deixado cair no chão a cadeira, e por ter largado a colher na mesa, que respingou leite por toda a mesa.
Praguejando docilmente contra sua filha, foi lá fora, na caixa de correio receber as contas. Cumprimentou o mordomo, amaldiçoando a si mesma por não se lembrar do nome do homem. Enquanto ele limpava o gramado com aquelas vassouras de jardim, pôs no bolso as contas à pagar. Porém, para sua surpresa, havia uma caixa relativamente grande e quadrada. Empolgada, a moça desembrulhou ali mesmo o pacote. Deu um sorriso infantil e verdadeiro quando leu na capa do livro ainda meio embrulhado o título: Um Golpe Sangrento em Hong Kong. Ainda com um sorriso bobo de criança no rosto, involuntariamente olhou para o mordomo, que estava tão concentrado em sua tarefa que não percebeu. Ignorada, Ana entrou em casa para, com orgulho, guardar seu livro na estante onde guardava todos os livros escritos pelos membros da família, no escritório de seu falecido marido.
Uma vez no escritório, empolgada, tentou mostrar o livro para a filha, mas Alexia, mostrou-se grosseira, pois estava concentrada e alheia, imersa em suas histórias de fantasmas e suas fantasias esperançosas de conhecer o tal fantasma dourado. Com um revirar de olhos, Ana guardou com carinho seu livro na estante, ao lado de Um Drink Sangrento em Paris e virou-se para sair. Mas antes, foi até a filha e exigiu que a menina lhe olhasse nos olhos. Quando teve a atenção da filha, ratificou que a mesma não deveria se atrasar para a escola. Deu-lhe um beijo na cabeça, pois na testa, que era a sua intensão, não era mais possível, por que a garota já havia voltado seus olhos arregalados de empolgação para a tela do notebook, e então Ana saiu do escritório.
Quando saiu pelo jardim, em direção ao carro de sua colega que lhe dava carona para o trabalho, passou caminhando lentamente, olhando intrigada para o mordomo que ainda estava limpando no mesmo local. Teve uma leve impressão de que o homem estava enrolando para não fazer as outras tarefas.
Entrou no carro e cumprimentou a colega de trabalho, que manobrou na rua, com habilidade, e puseram-se à caminho do trabalho.





"Sonho em escrever um romance em que todos os encontros que um homem tem durante a sua existência, fugazes ou importantes, conduzidos por aquilo a que chamamos o acaso, ou pela necessidade, desenhassem igualmente figuras, exprimissem ritmos e fôssem o que talvez sejam: um discurso sàbiamente planejado, dedicado a uma alma para que se realize totalmente, e do qual esta não apreende, ao longo da vida, mais do que algumas palavras sem continuidade."
(Louis Pauwels, em O Despertar dos Mágicos) 

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